sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

EU ERA ESTRANGEIRO

CARTA NATALÍCIA DE 2011

Também este ano pelo Natal, e já estamos no sexto ano, eu escrevo a vocês caros confrades capuchinhos para desejar a todos um Santo Natal! Estendo os meus augúrios às irmãs capuchinhas espalhadas nos muitos mosteiros do mundo.

Tomo como inspiração a narração de Mateus que no segundo capítulo de seu Evangelho nos apresenta o relato da fuga para o Egito de José, com Maria sua esposa e o menino Jesus. Aquele que os povos, na pessoa dos Reis Magos vindos do Oriente reconheceram, é recusado, ou melhor, desterrado e ameaçado de morte pelo rei Herodes. Deve fugir para longe, para não perder a vida. Delineia-se desde o princípio no horizonte de sua vida, uma sombra tenebrosa, a sombra da cruz. Isto nos diz que não é possível viver e celebrar o Natal como uma festa isolada do resto do caminho de Jesus. Se de um lado há grande alegria pelo nascimento do Salvador, por outro, nós somos advertidos de que abre-se para Ele uma vida difícil. Mas a sua entrega disponível à cruz será para nós a redenção. O ato de sorver até à última gota o cálice que o Pai lhe deu, se inicia com uma fuga para o exílio (Jo 18, 11).
 
Irmãos, compreendam-me, não tenho intenção de estragar a festa, quero apenas recordar a vocês que ao lado da alegria do Natal, é preciso ter consciência de que nos relatos do Evangelho da infância se prenuncia a densa sombra da cruz. Como não recordar o velho Simeão, que voltando-se para Maria lhe diz: “Uma espada transpassará a tua alma!” (Lc 2, 35), pois Aquele que dela nasceu “está aqui como sinal de contradição” (Lc 2, 34).

A fuga para o Egito evoca a escravidão do povo de Israel. “Do Egito eu chamei meu fi lho” (Mt 2, 15) não faz senão evocar o cumprimento das promessas, indicando a profunda ligação e a partilha concreta Filho de Deus feito homem e nascido de Maria com a história dolorosa de seu povo. História marcada por destruições, deportações, exílios, desânimo.


Se lançamos o nosso olhar sobre o presente e sobre o quanto os massmédia nos mostram cada dia, a história dos êxodos forçados não cessa. Quanta gente é obrigada ainda hoje a deixar a própria terra ameaçada pela guerra, por governos ditatoriais, por grandes limitações econômicas, pela carestia.

A Itália, por exemplo, este ano assistiu a uma ininterrupta chegada de barcaças partidas das costas do Norte da África carregadas de pessoas em busca de segurança ou de uma oportunidade de ganho.  Pagando alta soma, eles eram amontoados em incríveis e inseguras barcaças. E muitos, de todas as idades, não chegaram à ilha de Lampedusa, sucumbiam no mar, ou pelo frio.

Em outra parte do mundo, na fronteira entre o México e os EUA há uma zona tensa, por tantas passagens ilegais de pessoas que alimentam a esperança de um trabalho que lhes permita ganhar os meios com que possam sustentar a família deixada no país de origem. Quantos conseguirão realizar seu sonho? Quantos deles serão barrados? Não existem palavras suficientes para contar os dramas e as tragédias que nós estamos vendo.


No mês de setembro deste ano realizou-se em Lima o Encontro sobre a Migração organizado pelo Departamento de Justiça, Paz e Ecologia, para os frades de todas as Américas. O Encontro se dirigia em primeiro lugar aos frades de algum modo empenhados em diversos níveis, em dar apoio a estas pessoas, mas visava dar também uma ocasião de Encontro a todos os frades. O seu encontrar-se podia ser, e foi, ocasião para melhorar e coordenar as diversas presenças e atividades. A partida forçada da Sagrada Família para o Egito, nos permite afi rmar que Jesus é solidário com a história que vem depois Dele. A sua solidariedade atinge os sofredores de todos os tempos, em particular quem é “forasteiro” (Mt 25, 35).
 
Caros irmãos, eu quero simplesmente convidar  vocês a refletirem por um pouco de tempo, sobre como querem festejar o Natal este ano, considerando os dramas aos quais acenei brevemente. O que vos parece, se cada fraternidade se empenhasse em fazer um gesto de solidariedade para com alguém que entre nós é “forasteiro”, não por ter escolhido, mas por estar ameaçado na sua dignidade de pessoa criada à imagem e semelhança de Deus? Eu imagino que sejam muitos os modos de fazê-lo: convidem alguém à vossa mesa, ou levem a estas pessoas alguma coisa, não porém o supérfluo, mas algo que vocês renunciam, para que o Natal deles longe de suas casas e de seus caros seja menos triste.
 
Outra maneira é pôr-se à disposição de alguma Associação que já trabalha para estes exilados forçados, para fazer alguma coisa por eles. Certamente são muitos os modos de agir neste setor mas o que eu quero dizer é que cada um decida fazer um gesto concreto, mesmo se pequeno. Se, como nos diz a Palavra Viva do Evangelho “há mais alegria em dar do que em receber” (At 20, 5), tentem fazê-lo com um gesto concreto. Eu tenho certeza, pois o Evangelho não é uma fábula.

O Natal, o de vocês e o nosso Natal assumirá o sabor das coisas autênticas. Talvez terá um sabor que jamais provamos! Sim, pois o sal do Evangelho torna novas todas as coisas! Com esta mensagem e de coração eu auguro a vocês um Natal belo, que eu espero seja marcado por um gesto de profunda comunhão, como aquele que fez Jesus acolhendo e curando ao longo das estradas da Galileia, da Samaria, da Judeia ou nos territórios pagãos de Tiro e Sidônia (Mc 7, 24)! 

Roma, 22 de dezembro de 2011

FELIZ NATAL!


Frei Mauro Jöhri
Ministro Geral OFMCap

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