quarta-feira, 31 de agosto de 2011

PEDIDO DE BEATIFICAÇÃO DE D. LUCIANO SERÁ LEVADO À SANTA SÉ

No último dia 26, uma missa na Catedral de Mariana, presidida pelo arcebispo emérito de Belo Horizonte (MG), cardeal Serafim Fernandes de Araújo, lembrou os cinco anos da morte de dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana por 18 anos, de 1988 a 2006. Na ocasião, o arcebispo de Mariana, dom Geraldo Lyrio Rocha, anunciou o que já havia antecipado em maio, durante a assembleia geral da CNBB: vai solicitar à Santa Sé autorização para iniciar o processo de beatificação de dom Luciano.
“Após cinco anos do falecimento de Dom Luciano, comunico oficialmente que, com o apoio dos bispos brasileiros, a arquidiocese de Mariana, iniciará o que é necessário para obter da Sé Apostólica a autorização para dar início ao processo de beatificação do quarto arcebispo de Mariana, dom Luciano Pedro Mendes de Almeida”, disse dom Geraldo.
Dom Luciano morreu no dia 27 de agosto de 2006, em decorrência de falência múltipla dos órgãos. Ele é reconhecido por sua inteligência brilhante e atuação firme na defesa dos direitos humanos e cuidado com os mais pobres, tendo sido secretário e presidente da CNBB por dois mandatos consecutivos em cada um dos cargos. Sua fama de santidade já corre entre o povo e seu túmulo, na cripta da catedral de Mariana, é permanentemente visitado pelos fiéis.



O pedido à Santa Sé vai respaldado por mais de 300 bispos que, na assembleia da CNBB, assinaram a petição a ser encaminhada por dom Geraldo à Congregação para a Causa dos Santos solicitando o nihil obstat (nada impede) para iniciar o processo de beatificação.
Uma vez autorizado o pedido, a arquidiocese instaurará um Tribunal Específico para conduzir a causa. O Tribunal ouvirá as pessoas que serão chamadas a depor no processo mediante um questionário elaborado pela própria Santa Sé. “Há todo um ritual e muitas formalidades que são determinadas no procedimento de um processo para a beatificação”, explicou dom Geraldo.

Comenda
A Faculdade Arquidiocesana de Mariana realizou, na sexta-feira, 26, o ato solene de outorga da “Comenda Dom Luciano Mendes de Almeida do Mérito Educacional e Responsabilidade Social".
Foram homenageados o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito do São Paulo (SP), ausente por motivo de saúde; o cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo, arcebispo emérito de Belo Horizonte (MG); padre Paulo Vicente Ribeiro Nobre, assessor arquidiocesano da Dimensão Catequética da Arquidiocese de Mariana; irmã Carmem Mendes de Carvalho, coordenadora da residência arquiepiscopal durante o episcopado de dom Luciano; irmã Neusa Quirino Simões (Companhia de Maria), ex-secretária de dom Luciano na CNBB e o Núcleo de Apoio aos Toxicômanos e Alcoólatras de Ouro Preto, Grupo NATA.

domingo, 28 de agosto de 2011

ENCONTROS

             O nosso corpo precisa não só de coisas para comer, precisa de mais. Quem nos diz isso são os textos sagrados que afirmam: "Não só de pão o homem viverá". O pão é pouco, ele precisa também de alegrias e carinhos. Ele transborda as águas que vão subindo, e elas saem dele, como um deserto seco que vira oásis regado. É assim: "Neste corpo tão pequeno, tão efêmero, vive um universo inteiro" (Rubem Alves).
            O corpo não é só fonte que transborda: é colo que acolhe. A mão que segura a outra, o ouvido que ouve o lamento, em silêncio, sem nada dizer... O corpo transborda e fertiliza o mundo e o mundo se transforma... Tão simples, tão belo.
           O corpo fala uma linguagem que desconhecemos e uma delas é o abraço. Há abraços deliciosos que são verdadeiras delicias dos céus. Esses abraços preenchem os espaços dos nossos corações, aqueles espaços que Deus não pode preencher. Um desses espaços é a saudade. "A saudade é flor que só floresce na ausência. É nela que se dizem as orações suplicando dos deuses a graça da repetição da beleza. E é só para que isso que existem os deuses: para garantir o retorno do belo" (Rubem Alves).
Quando acontece o reencontro, experimentamos a felicidade perdida. Nosso corpo se modifica e sentimos coisas que nunca tínhamos sentido antes, é como se os nossos sentimentos que estavam dormindo despertassem do sono em que estavam. Creio que no abraço nós expressamos a nossa interioridade, a nossa intimidade. O abraço revela quem somos, ele nos desnuda, mostra o nosso coração para o outro. É como se disséssemos: "Como meu coração pode ser seu, sem deixar de ser meu?" Através dele os dois corações abrem seus portões e voam um em direção ao outro.
            Com o abraço faço a experiência mais primordial da vida humana: entro em contato com o misterioso e fascinante mundo da outra pessoa. O abraço faz com que ela passe a morar dentro de mim, pois "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas", dizia a raposa para o principezinho. Assim, cada abraço é uma comunicação de duas solidões! 


Postulante: Ramires










       
Sou poeta, bufão, palhaço, encantador de palavras, menestrel verbal e pregador de pensamentos vagabundos. Moro na Caixa de Brinquedos da Oficina de Gepeto, onde consigo fazer a experiência mais fundamental: ver e aprender a realidade que a razão séria não atinge. Além disso, o riso e cômico tornam-se os meios em posso fazer brilhar o infinito da existência, que foi banido pela razão como marginal e ridículo.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

CRIANÇAS INTIMADAS PARA O FRONT

 Reportagem feita por Polliana Milan, do Jornal Gazeta do Povo.

Os paraguaios comemoram hoje o Dia das Crianças. A data se refere aos recrutas infantis que morreram na batalha de Acosta Ñu. 


“As crianças, no fervor da batalha, apavoradas, se agarravam às pernas dos soldados brasileiros, chorando para que não fossem mortas. E eram degoladas no ato.” A frase é uma recordação de um sobrevivente soldado infantil, recrutado pelo Paraguai, para lutar durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) e está registrada em documento do Ministério da Defesa. Acredita-se que cerca de 3 mil crianças morreram em combates na Guerra do Paraguai. Elas tinham entre 10 e 14 anos e chegaram a constituir cerca de 50% do Exército paraguaio, principalmente no final da guerra, em uma batalha de nome Acosta Ñu.
            A batalha ocorreu no dia 16 de agosto de 1869 e teve o maior número de baixas no exército. Foi por causa dela que o Paraguai mudou, nos anos 1940, o Dia das Crianças de 13 de maio para 16 de agosto. “O 13 de maio era uma data seguida do Dia da Pátria (14) e do Dia das Mães (15), mas não tinha uma simbologia forte. Quando começa a ditadura militar no Paraguai, se inicia uma proposta de homenagear as crianças que deram o seu próprio sangue pelo país”, afirma a historiadora paraguaia Ana Barreto.
            A mudança de data marca uma posição nacionalista bastante forte no Paraguai que até hoje divide opiniões. As crianças deixaram de ser vistas como mártires de uma guerra injusta e passaram a ser heroínas. “Antes disso, eram raros os livros didáticos que mostravam figuras de crianças portando uma lança na mão e com o uniforme paraguaio todo rasgado”, explica Ana.

Análise
Uma infância mal definida
            Hoje é muito estranho pensar em recrutamento de crianças de 10, 12 anos para o Exército, mas no século 19, durante a Guerra do Paraguai, não havia uma definição exata de onde acabava a infância e começava a juventude. “O marechal [Solano] López entendia que estes jovenzinhos eram homens, por isso decidiu recrutá-los para a guerra”, afirma a historiadora Ana Barreto.
            “Não só no Paraguai, mas no Brasil, Estados Unidos e Europa não era tão raro no século 19 ver crianças de 12 anos indo para a guerra. Isso ficou mais marcado no Paraguai porque lá as crianças foram usadas em escala maior e existem descrições horríveis sobre como elas morreram”, explica o historiador Ricardo Salles, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

História recente
            Crianças paraguaias de 10 a 13 anos foram recrutadas pelo Exército paraguaio até cerca de 1989 e só recentemente essa política foi extinta. Muitos dos que entraram para o Exército, antes da Batalha de Acosta Ñu, tiveram uma preparação para guerrear bastante peculiar.
            López havia instaurado, em 1868, o Tribunal Militar que era responsável por executar as pessoas sentenciadas de morte por traição ao governo. “Estas pessoas não morreram fuziladas, mas por meio de lanças que eram lançadas por estas crianças em treinamento”, explica Ana.
            Para a historiadora, as crianças não são heroínas, continuam sendo mártires. Para o escritor e pesquisador paraguaio Jorge Rubiani “as crianças, assim como os pais delas e toda a população paraguaia, estiveram simplesmente envolvidas no conflito porque a guerra se desenvolveu em território paraguaio e todo o povo ficou envolvido naquele desastre.” “Se sobreviviam, as crianças eram sequestradas por oficiais brasileiros que as levavam para o Brasil para serem vendidas como escravas”, afirma.

Recrutamento
            Inicialmente, Solano López havia decretado um recrutamento em que toda a população masculina deveria servir ao Exército. Só não iriam para a guerra o presidente e os homens do governo civil. “Após o decreto, foi feito um levantamento de quantos homens existiam em cada casa e a idade deles”, diz Ana. Primeiro, o decreto recruta homens entre 18 e 60 anos, mas depois vai baixando a idade para 16, 14, até chegar aos 10 anos.
Não há registros oficiais, segundo os historiadores consultados, de crianças de 6 a 8 anos recrutadas pelo governo, mas é possível que elas tenham ido à guerra para acompanhar os pais. “As famílias não reagiam porque o governo, por meio da imprensa, convence a população de que deveria entregar seus filhos. Além disso, quem se queixava da guerra era preso”, comenta Ana.
            As mães, insatisfeitas com a guerra e sem querer se comprometer oficialmente, chegaram a vestir seus filhos como se fossem meninas. Já as crianças que foram ao combate teriam usado disfarces como barba, para parecerem mais velhas. “Em um relato de Taunay há a afirmação de que os lanceiros brasileiros baixavam as lanças para atingir as crianças e depois os corpos voavam. Eram crianças pequenas e muitas subnutridas”, afirma o historiador Ricardo Salles, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Recrutamento infantil é um problema mundial
            Infelizmente, o recrutamento de crianças para o Exército, guerrilhas ou milícias é um problema que não ficou no passado. É assim que o professor da Universidade de Brasília Pio Penna Filho, doutor em História das Relações Internacionais, inicia a entrevista. “O problema ficou evidente por causa dos conflitos na África dos anos 90. Temos ainda o caso das Farc na Colômbia e, se quisermos fazer uma análise mais forte e realista, basta olhar para São Paulo e Rio de Janeiro para vermos as crianças envolvidas nas batalhas do tráfico”, afirma.
            Há casos de crianças envolvidas em guerras na América Central, em conflitos asiáticos e no Oriente Médio. A diferença (com relação à Guerra do Paraguai) é que hoje o recrutamento, em grande parte, não é feito pelo governo e não é em grande escala. “Tenho notícias de meninas que são recrutadas à força em alguns países para servirem, muitas vezes, sexualmente a uma determinada guerrilha. Elas eram tatuadas com o nome da guerrilha como se fossem uma propriedade”, explica Penna.
            Em Uganda, na África, há registros ainda de crianças que, à noite, são colocadas na igreja ou em um hospital para evitar que sejam roubadas de dentro da própria casa. “Mas, quando a situação complica, em muitos países africanos as crianças acabam sendo recrutadas pelo próprio governo”, explica Penna.

Criação
            Quando a criança é retirada do berço familiar e levada para combate, ela passa a ver a guerrilha da qual faz parte como a sua família e, depois, segundo Penna, mudar esta situação é muito complicado. “Elas crescem e são ressocializadas dentro destas guerrilhas e depois não conseguem se desvincular”, diz. Penna lembra do caso dos nazistas, que recrutaram crianças na Segunda Guerra, quando já havia o conceito de infância. Elas recebiam medalhas de Hitler após os combates e, quando Hitler se suicidou, a formação ideológica estava tão centrada que milhares de jovens se mataram também.

sábado, 6 de agosto de 2011

CLARA, PLANTINHA DO SENHOR

"Salve Santa Clara, mulher admirável, religiosa modelar, mãe admirável, plantinha do nosso pai São Francisco. Clara de nome, preclara pelas virtudes, ilumina-nos no discipulado da altíssima pobreza".


            Há figuras que se deixam tocar pela mística transformante do autêntico amor, tornando-se cada dia melhores para melhorar o mundo em torno de si. Por entre elas, realmente sábias e santas, encontramos a figura fascinante de Clara de Assis. Pode-se dizer que ela foi humana, demasiadamente humana, e por isso soube compreender o Criador e a criatura.
Clara de Assis nasceu na Idade Média e a mulher nesse período não é dotada de autonomia. Era colocada sob o domínio do homem. Paradoxal é a atitude da sociedade da época com relação à mulher: de um lado o mistificador, fazendo dela um ser inacessível, a dama pela qual o cavaleiro enfrenta duelos mortais e de quem aspirava receber o louro da vitória, exaltação do eterno feminino, de massacrar um verdadeiro machismo. Por outro lado, era um tesouro frágil, irresponsável, incapaz de fortaleza.
            A figura de Clara encanta e ilumina. Isso porque traz a marca de uma profundidade e de um equilíbrio grandiosos. Ela demonstra ser, desde muito jovem, uma mulher firme e decidida - basta-nos ler o Processo de Canonização e o seu Testamento. A determinação com a qual enfrente oposições à sua decisão, e posteriormente ao seu ideal de pobreza absoluta, define estes traços de firmeza e decisão de sua personalidade. Acima de tudo, mostra em si a dinâmica de quem sabe envolver atitudes radicais numa serenidade constante e comovente, advinda de sua objetividade, clareza, realismo e linearidade de ideias. Segundo Zilda Ribeiro, "em sua feminilidade autêntica, bonita e elegante, possuidora de uma sensibilidade profunda, soube crescer em maturidade psicológica, integrando a radicalidade do amor a Deus com as mais puras expressões do puro amor humano"[1].
            Clara não é mulher de um vasto campo, confuso e complexo, de ideias. Ao contrário, seu pensamento é límpido, profundo, original, incisivo. Sua vocação era seguir a Cristo. Percebe, talvez de maneira confusa, que aspirava pela verdade, que queria a vida e plenitude, precisava descobrir o caminho e pressentia que tudo se encontrava no Evangelho. Mas como fazer, para onde ir? Pelas ruas de Assis via caminhando e cantando o filho de Bernadone, antes , jovem coberto de riquezas e vivendo festas mundanas, agora amigo dos leprosos, penitente e profundamente feliz. Segundo a irmã Maria Bernada, Clarissa Capuchinha, "Clara reconhece na vocação de Francisco sua própria vocação. Percebe essa simplicidade que a permite ir ao encontro com Deus, o Deus de Bondade, amabilidade e amor. - continua a irmã-, deve-se dizer que a vocação de Clara foi específica, não mero reflexo da vocação de Francisco, vocação esta, pela qual lutou por quase vinte e sete anos sozinha, depois da morte do Santo"[2]
            Não há dúvidas que a vida da santa foi cheias de luta. No seio de uma Igreja e de uma sociedade com seus profundos desafios, Clara deixou um vivo testemunho de alguém que opta pelo essencial, que faz mudança de lugar social e se coloca entre os pequenos, vivendo como eles. Assim, lembro-me da música franciscana que diz:

Clara, ó Clara, me diga por quê
Que foi que Francisco falou pra você
Clara, ó Clara, eu quero entender
Porque deste mundo te foste esconder?

Tu tinhas dinheiro, vivias feliz, igual às
Meninas que havia em Assis.
Será que Francisco te enfeitiçou
Que tão de repente teu mundo mudou?

Eu tinha dinheiro, vivia feliz,
Igual as meninas que havia em Assis.
Mas foi Jesus Cristo que me cativou
Francisco somente o caminho mostrou.

Eras bonita, de classe maior
Teu pai era nobre e senhor
Será que esta vida não era viver
Que tão de repente te foste esconder?

Eu era bonita de classe maior
Mas eu tinha sonhos de algo melhor
Será que esta vida é viver e morrer?
Um dia por fim, eu parti, fui viver.

Deixaste o dinheiro, tranquila e feliz
E foste viver num mosteiro de Assis
Será que perdeste a razão de viver
Tão jovem, tão bela, não dá pra entender?

Deixei o dinheiro, tranquila e feliz
E fui me trancar num mosteiro de Assis
Deixei o que eu tinha, passe a viver
Que a vida é bem mais que a mania de ter

Clara, ó Clara, já posso entender
Porque deste mundo te foste esconder


[1] RIBEIRO, Zilda. O Feminismo na modernidade. Cadernos Franciscanos: Franciscanas falam de feminismo. Nº4. Petrópolis: 1993. p. 47-48.
[2] BERNADA, Maria. Clara e a vocação franciscana. Cadernos Franciscanos: Clara e o Carisma franciscano. nº 7. Petrópolis: 1992, p. 12-15.

 Ramires James Moscardo