sexta-feira, 25 de junho de 2010

PAZ e BEM


A vida franciscana é um dom concedido pela graça de Deus Pai e a ação do Espírito Santo. Francisco de Assis, o irmão universal, tinha plena convicção de que a obra que iniciara não fora uma ação sua, mas algo que fora inspirado pela ação do Vivente, Cristo Senhor. Sendo assim, Francisco sabia que todo o irmão que vinha ao seu encontro fora impulsionado pelo Espírito Santo, como um dom, e que todos contribuíam, com suas aptidões para o bem de todos e da Santa Igreja.

Seu Minervino, artesão e folião de Reis - Vale do S. Francisco

Sendo assim, vejamos o que diz a Perfectae Caritatis, decreto promulgado durante o Concílio Vaticano II, que trata da vida religiosa:

“Surgiu assim, por divina providência, uma admirável variedade de grupos religiosos, a qual muito contribui para que a Igreja não apenas esteja aparelhada para toda boa obra e organizada para as atividades do seu ministério em vista da edificação do Corpo de Cristo, mas apareça também ornamentada com os vários dons de seus filhos, como uma esposa adornada para o seu esposo, e por ela se manifeste a multiforme sabedoria de Deus”

Como nos diz os bispos reunidos no Concílio, a vida religiosa, que surgiu no meio do povo, não contribui apenas para que a Igreja esteja organizada em suas atividades ministeriais, mas também, para enriquecê-la com os diversos dons que cada um de nós possuímos dentro de nosso íntimo para agradar ao nosso Senhor e Mestre.


Por isso, quando ingressamos na vida religiosa, não podemos abandonar nossos dons, pois todas as nossas aptidões foram concedidas por Deus, que nos criou e nos conhece, “desde o seio materno”. Ao contrário, devemos aperfeiçoá-los para que, com esses dons, possamos contribuir para o nosso crescimento, crescimento da Igreja e para o louvor a Jesus Cristo.

Visão de São Francisco / Carlo Saraceni

A regra franciscana possui um capítulo destinado ao trabalho do frade menor, é o número cinco, vejamos o que diz um trecho dele:

“Aqueles irmãos aos quais o Senhor deu a graça de trabalhar, trabalhem fielmente e devotamente, de modo que, afastado o ócio que é inimigo da alma, não extingam o espírito da Santa oração e devoção, ao qual deve servir as demais coisas temporais”



Devemos, como nos exorta nossa regra de vida, trabalhar sem desanimar, aperfeiçoando-nos sempre mais. Por isso, cursando a faculdade de música, tenho a oportunidade de crescer musicalmente, aprender novas formas de fazer a música, com aulas teóricas e práticas, envolvendo muita audição e leitura.


Sabemos, através do estudo da história da música, que quando o homem, na pré-história, começou a cultuar divindades, surgiu a música. Música e religião, portanto, sempre andaram juntas ao longo da história, fazendo com o que o homem, através de uma linguagem inefável, pudesse expressar seus sentimentos mais profundos.


Posteriormente, a cultura grega surgirá, perpetuando-se para a posteridade, o pensamento e modo de ser do ocidental têm suas raízes na Grécia. Também na música os gregos deram a sua contribuição, com uma teoria musical sofisticada e uma filosofia da música bem sedimentada. Platão, na República, diz que o homem, para se desenvolver em todos os aspectos, deveria exercitar-se em duas artes: ginástica, para o corpo, e a música, para a alma.


Mas, em meio a uma faculdade onde a grande maioria, professores e alunos, desconhecem o que é ser religioso e mesmo a forma de pensar da sociedade é de negar a ação de Deus na vida cotidiana, fica muito mais difícil a vivência evangélica. Mas, como o nosso irmão Francisco nos ensina na regra, se mantivermos o espírito de oração e devoção, conseguiremos testemunhar o evangelho, à maneira franciscana, ou seja, vivendo e convivendo, respeitando as diferenças, sem negar aquilo que somos. Assim vamos nos conhecendo e nos enriquecendo mutuamente.


Somente dessa forma, respeitando a todos e convivendo fraternalmente, seremos irmãos como Francisco queria. Lembrando que a pregação é antes vivência que sermão.


Frei Raphael Harder - Imaculada - São Paulo - SP

quarta-feira, 16 de junho de 2010

João

“Servo e amigo do Altíssimo, Francisco recebeu esse nome por providência divina, para que, por sua singular originalidade, mais rapidamente se difundisse por todo o mundo o conhecimento de sua missão. Recebeu de sua mãe o nome de João quando deixou de ser filho da ira para ser filho da graça, ao renascer da água e do Espírito Santo.

[...] Por isso o nome João convém à missão que recebeu, mas Francisco convinha melhor à difusão de sua fama que, quando ele se voltou plenamente a Deus, chegou rapidamente a toda parte.

Para ele a festa mais importante entre as de todos os santos era a de São João Batista, cujo nome insigne o havia marcado com uma força mística.

Entre os nascidos de mulher não apareceu nenhum maior do que o primeiro (cfr. Mt 11,11); entre os fundadores de Ordens não houve nenhum mais perfeito do que este.

[...] João profetizou fechado no segredo do seio materno. Francisco predisse o futuro no cárcere do mundo, quando ainda desconhecia os planos de Deus.” (2ª Celano Capítulo 1)

João, filho de Isabel e Zacarias, sacerdote do templo de Jerusalém. João (mais tarde, Francisco), filho de dona Pica e Pedro Bernardone, ricos comerciantes da cidade de Assis, Itália. Nomes iguais, pessoas diferentes que viveram em épocas muito distantes uma da outra mas com um único amor: Jesus Cristo.


João Batista anuncia o Messias, filho de Deus que se faz carne e habita entre nós para realizar o projeto de salvação do Pai, morrendo na cruz e ressuscitando. Da ressurreição de Jesus nasce a Igreja, sua esposa.

Com o passar dos anos, a esposa perde-se pelo caminho e se esquece das palavras de Jesus. Mais uma vez, o amor do Pai se une a Terra e nasce Francisco, a luz que vem para dissipar as trevas que cegam a amada de Cristo, trazendo-a assim de volta para o caminho da salvação.


João Batista que anuncia o Messias é voz que clama no deserto, denuncia o mal e nos aponta o Cordeiro de Deus. Francisco profetiza o Reino pelas ruas com seus irmãos pelo sorriso, pelo abraço, pela alegria e pelo modo de viver segundo o Evangelho de Jesus Cristo.

Que João Batista e Francisco nos sirvam de modelo de denúncia e seguimento para que um dia, como irmãos, possamos finalmente dizer: “Vem Senhor Jesus, vem”.

Postulante Capuchinho Benedito de Souza Bonfim-Piracicaba/SP.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

A REDENTORA BELEZA DA POESIA


De forma velada, desconfiada e matuta, Adélia Prado grita aos quatro ventos uma frase messiânica: “A poesia me salvará!”. Ela teme os doutores, os caçadores de bruxas, os moralistas de plantão, os dogmáticos encalacrados, as gentes de notas de rodapé. Não sem motivo, ela teme a perseguição injusta de quem proclama a beleza como salvação do corpo, da alma e de tudo que venha existir. Deus se fez carne. A Palavra se fez tenda em nosso frágil acampamento de pele, osso e desejo. O mistério salvífico habitou nas entranhas da Virgem. Não seria o próprio Deus um poeta? Não seria Cristo uma poesia libertadora cantada de geração em geração? Ah, mas a poesia é mal compreendida. Alguns fiam versos medidos com réguas, compassos e redondilhas. Mas a Palavra não se esgota em versos métricos. Ela perverte o óbvio, fala de mundos melhores, de sofrimentos purificadores, de paz reconciliadora. Essa poesia, feita Palavra, nascida da pena divina, salvará e dará sentido à vida, ao mundo, ao sofrimento, ao prazer e à alegria.


Fala também calando, fingindo, desviando dos olhares... Creio firmemente que a beleza da poesia nos salvará. Não porque ela seja redentora por si própria, mas porque ela é caminho, é meio e é ponte. Em sua magia onírica, traz à tona os segredos do coração. Somos mistérios ambulantes. Mistérios desvairados, loucos pela manifestação. Somos seres epifânicos, desejosos de externar nossas entranhas, tal qual fez Deus em sua Encarnação.


Eis que a poesia nos trai. Fala quem somos, fala de nossos desejos. Ela é noturna coruja. Vagueia pela noite escura. Tateia nossos mistérios e os expõe. Por isso, teme-se a poesia. Somente ela nos dá olhos para perceber que o rei está nu. Somente ela nos desnuda, nos inunda e nos arrebata. Por meio de metáforas, Deus fala em poesias. Fala de heterotopias, de mundos que se encontram além das aparências dos espelhos. Ela nos seduz por meio da mágica beleza dos versos. Carrega-nos para o além, para dentro de nós mesmos. Mostra-nos que somos carne feita de versos e de canções.

É no seio da poesia que o Sagrado e o Profano fazem as pazes. Que as diferenças anseiam pela complementaridade. Aqui não se busca a exatidão lógica, a retidão do pensamento, a ortodoxia bem acertada. A poesia é o lugar de extensão do lúdico, do Amor e do desatino. Talvez por isso o poeta seja execrado da cidade. Ele fala de ciências invisíveis, de movimentos de pálpebras que escondem o mundo real. Ele questiona o óbvio e o absoluto. Ele propõe novos lugares. Tal qual Deus, ele recria mundos e perverte realidades. A poeta-profetisa Adélia está certa: a poesia nos salvará. Salvar-nos-á das distâncias, dos medos, do peso excessivo da coerência, dos rabugentos, dos mal-amados, dos frustrados, dos imperalistas e de todos os amargos. Ela nos dará a leveza dos sonhos e do amor, ela nos dará motivos para chorar e rir, ela nos dará o contato com um Deus que brinca com palavras... e pela Palavra faz novos céus e novas terras.


“Eis que um canto se ouve ao longe

Como trombetas vindas do trono do Grande Rei

Como miríades de Querubins contemplando o Termo dos Desejos

Cantam canções imagináveis

Proclamam poesias que mudam a face da Terra

Proclamam versos feitos de palavras de carne

Proclamam o dia da Libertação

Quando tudo será tão belo quanto a face de Deus” 
(CLARENCE, E. MACARTNEY (org). Grandes sermões do mundo. Trad. Degmar Ribas Júnior. Rio de Janeiro: Casa Publicadora da Assembléia de Deus. Ed. Brasileira. 2003)


Ramires Karamázov

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A Solenidade de "Corpus Christi"

              

     Ó Mistério admirável: Deus que ao mundo veio Maria! Fiel viveu, e antes de morrer, Nos deu seu Corpo e Sangue em refeição. Ó Misterio de amor, A vida eterna em nós, Plena comunhão! Pão que sacia Toda a nossa fome! Vinho - alegria Que nos mata a sede! Ceia derradeira, Páscoa, nova Lei! Bendito e adorado seja Deus! Amém! Letra e Musica: Irmã Miria T. Kolling.

Nesta quinta-feira, celebra-se a solenidade de “Corpus Christi”. De tradição antiqüíssima, esta festa, comemorada de modo solene e pública, manifesta a centralidade da Santa Eucaristia, sacramento do Corpo e Sangue de Cristo: o mistério instituído na última Ceia e comemorado todos os anos na Quinta-Feira Santa, após a solenidade da Santíssima Trindade.


Neste dia, manifesta-se a todos, circundado pelo fervor de fé e de devoção da comunidade de todos os batizados, o Mistério de Amor que nos foi legado por Cristo, para memorial eterno de sua Paixão. A Eucaristia, realmente, é o maior tesouro da Igreja, a preciosa herança que o Senhor Jesus lhe deixou. E, assim, a Igreja conserva a Eucaristia com o máximo empenho e cuidado, celebrando-a diariamente na Santa Missa, bem como adorando-a nas igrejas e nas capelas, levando-a como viático aos doentes que partem para a vida eterna. A Eucaristia transcende a Igreja: Ela é o Senhor que se doa “pela vida do mundo” (Jo 6,51). Ontem, hoje e sempre, em todos os tempos e lugares, Jesus quer encontrar o homem e levar-lhe a vida de Deus.


Por isso, a transformação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo constituiu o princípio da divinização da mesma criação. Nasce deste modo, o gesto sugestivo e oportuno de levar Jesus em procissão pelas ruas e estradas de nossas cidades e comunidades. Levando a Santíssima Eucaristia pelas vias públicas, queremos imergir o Pão que desceu do céu na vida quotidiana da nossa vida; queremos que Jesus caminhe onde nós caminhamos, que viva onde nós vivemos.

O nosso mundo, as nossas existências devem tornar-se templo da Eucaristia. Somos conclamados a viver em santidade. Na intimidade com Nosso Senhor Jesus Cristo, presente em corpo, sangue, alma e divindade nas sagradas espécies de pão e vinho, seremos testemunhas vivas de seu amor, de sua misericórdia, a partir do momento em que vivermos por ele e com ele, sendo luz do mundo e sal da terra. Com grande entusiasmo, este momento sagrado, em que Cristo Eucarístico passa pelas ruas de nossa cidade a nos abençoar, somos soldados perfilados fazendo sua guarda de honra, somos crentes convictos da fé que professamos, fazendo-o publicamente, somos filhos amados por Deus que desejamos, mais e mais, viver mais unido a Ele, tanto na participação da Eucaristia, quanto na vida exemplar de lídimos cristãos. Neste dia santo, a Eucaristia é tudo para ela, é a sua própria vida, a fonte do amor que vence a morte.

Da comunhão com Cristo Eucaristia brota a caridade que transforma a nossa existência e ampara-nos no caminho rumo à Pátria Celeste. Neste préstito solene que se forma nesta solenidade tão cara à vida espiritual da Igreja, Cristo ressuscitado percorre os caminhos da humanidade e continua a oferecer a sua “carne” aos homens, como autêntico “pão da vida” (Jo 6,48,51). Hoje “esta linguagem é dura” (Jo 6, 50) para a inteligência humana, que permanecem como que esmagadas pelo mistério.


Para explorar as fascinantes profundidades desta presença de Cristo sob os “sinais” do pão e do vinho, é necessária a fé, ou melhor, é necessária a fé vivificada pelo amor. Só aquele que acredita e ama pode compreender alguma coisa deste inefável mistério, graças ao qual Deus se faz próximo da nossa pequenez, procura a nossa enfermidade, revela-se por aquilo que é infinito, o amor que salva. Precisamente por isso, a Eucaristia é o centro palpitante da comunidade. Desde o início, na primitiva comunidade de Jerusalém, os cristãos reuniam-se no Dia do Senhor (Dies Domini) para renovar na Santa Missa o memorial da morte e ressurreição de Cristo. O domingo é o dia do repouso e do louvor, mas sem Eucaristia perde-se o seu verdadeiro significado. Celebrando Corpus Christi, queremos renovar nosso autêntico compromisso de batizados, um compromisso pastoral prioritário da revalorização do domingo e, com ela, da celebração eucarística: “um compromisso irrenunciável, abraçado não só para obedecer a um preceito, mas como necessidade para uma vida cristã verdadeiramente consciente e coerente” (João Paulo II, “Novo Millennio Ineunte”, 36).

Adorando a Eucaristia, não podemos deixar de pensar com reconhecimento na Virgem Maria. Sugere-o célebre hino eucarístico que cantamos muitas vezes: “Ave, verum Corpus, natum de Maria Virgine” (“Ave, ó verdadeiro Corpo, nascido da Virgem Maria). Peçamos hoje à Mãe do Senhor que todos os homens possam saborear a doçura da comunhão com Jesus e tornar-se, graças ao pão de vida eterna, participantes do seu mistério de salvação e de santidade.

Frei Mauricio dos Anjos – OFMCap.
Fraternidade Santa Clara de Taubaté - SP