segunda-feira, 11 de julho de 2011

O TEMPO E AS JABUTICABEIRAS


 Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
Daqui para a frente do que já vivi até agora...

Tenho muito mais passado do que futuro...
Sinto-me como aquele menino
Que recebeu uma bacia de jabuticabas...

As primeiras, ele chupou displicentemente...
Mas percebendo que faltavam poucas,
Rói o caroço...

Já não tenho tempo
Para lidar com mediocridades...
Não quero esta em reuniões
Onde desfilam egos inflados...

Inquieto-me com invejosos
Tentando destruir quem eles admiram,
Cobiçando seus lugares, talentos e sorte...

Já não tenho tempo
Para conversas intermináveis...
Para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
Que nem fazem parte da minha...

Já não tenho tempo para admirar
Melindres de pessoas que,
Apesar da idade cronológica,
São imaturas...

Detesto fazer acareação de desafetos
Que brigam pelo majestoso
Cargo de ser secretário geral do coral...

'As pessoas não debatem conteúdos...
Apenas rótulos...'

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos...
Quero a essência...
Minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia
Quero viver ao lado de gente humana, muito humana...
Que sabe sorri de seus tropeços...
Não se encanta com os triunfos...
Não se considera eleita antes da hora...
Não foge de sua mortalidade...

Caminhas perto de coisas e pessoas de verdade
O essencial faz a vida valer a pena...
E para mim
Basta o essencial!



                                               
Rubem Alves é Pedagogo, poeta, cronista, contador de estórias, ensaista, teólogo, acadêmico e pregador de pensamentos vagabundos



Um comentário:

  1. "As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos". Mário de Andrade
    O tempo e as jabuticabas

    'Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
    daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
    menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
    chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

    Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
    Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
    Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
    quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

    Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
    Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
    para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
    para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.

    Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
    estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
    Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
    que apesar da idade cronológica, são imaturos.

    Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
    de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
    Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
    majestoso cargo de secretário geral do coral.
    Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas
    não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
    Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
    essência, minha alma tem pressa...
    Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
    humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
    com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
    foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
    e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

    Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse

    amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'

    O essencial faz a vida valer a pena.


    Rubem Alves

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