quinta-feira, 10 de março de 2011

Eu me acuso II - sobre a profecia de Comblin

Olá irmãos e irmãs, paz e bem!
Não poderíamos nos isentar, principalmente nesse tempo quaresmal, de mais um acalorado debate em nosso seio eclesial. Pode parecer coisa simples, mas reflete profundamente o cenário de Igreja que vem sendo construído pela "elite" clerical; em contrapartida, a Igreja, Povo de Deus, fundamentada no Concílio Vaticano II, continua resistindo bravamente aos poderes e interesses "internos", apesar de sangrar como e com o Cristo...

O texto é do monge Marcelo Barros em resposta ao artigo do Excelentíssimo Reverendíssimo Dom Redovino Rizzardi (Confira seu artigo em: http://www.douradosnews.com.br/domredovino/?id=2130.  Sobre o nosso querido profeta "Comblin", não precisamos tecer maiores comentários.

Eis o texto do poeta-profeta Marcelo Barros:

Alguns órgãos de comunicação ligados à pastoral popular divulgaram uma recente conferência feita pelo padre José Comblin no Chile e uma entrevista-resumo que o padre Comblin deu logo depois. Diante deste material, Dom Redovino Rizzardi, bispo católico de Dourados, reagiu com um texto no qual afirma que o padre Comblin está ressentido. Segundo ele, isso se deveria ao seu envelhecimento e sua posição é pessimista e negativa. O seu texto tem um título pesado: José Comblin: crepúsculo de um profeta?

José Comblin é um teólogo famoso no mundo inteiro e um pastor dedicado ao melhor da inserção junto aos pobres. Viveu isso a sua vida inteira e continua vivendo-o hoje. Não precisa de defesa minha nem de ninguém. Provavelmente entre os católicos conscientes de hoje, se encontram muitos que estão a favor de tudo o que o padre Comblin disse e ainda de outras coisas mais. É claro que em um debate aberto e democrático, a reação de Dom Redovino é até bem-vinda, desde que ele se coloque na discussão e não comece desmerecendo quem pensa diferente dele. Lamento que ele não respondeu ao padre Comblin com argumentos. O quadro que o padre Comblin pinta da centralização hierárquica romana é ou não verdade? Neste contexto autoritário, existe ou não o controle do pensamento e da ação? E o que Comblin diz sobre os dois últimos papas é real ou não? Sem entrar propriamente no mérito das questões, Dom Redovino simplesmente cita o texto do profeta Elias no Horeb, (1 Reis 19), tirando-o do contexto histórico e pinçando dele apenas o elemento da brisa silenciosa. No texto bíblico, a brisa é sinal da presença e da nova revelacao divina. Nesta reação ao padre Comblin, se torna elemento ou fator de mudança (eclesial?).

Na primeira metade dos anos 80, em um diário nacional, um importante companheiro do CEBI foi acusado por um bispo brasileiro de fazer leitura redutiva da Bíblia e de outros "erros". Julguei ser minha obrigação vir a público e escrevi um artigo intitulado "Eu me acuso!". Neste texto, eu dizia que tudo aquilo do qual o irmão em questão era criticado, podiam também dizer de mim. Então, não seria justo deixá-lo sozinho na arena dos leões. Agora me sinto obrigado a escrever um "Eu me acuso número 2" para dizer que, embora eu tenha outro temperamento e outro estilo pessoal, a maioria das coisas que o padre Comblin disse, eu penso exatamente assim e assinaria embaixo. Não tenho 87 anos (tenho 66) e penso que quem me conhece sabe que não sou de natureza pessimista nem digo isso por amar menos a Igreja. Ao contrário, a amo como minha mãe. Mas, isso me obriga a ser ainda mais exigente e sincero em querer vê-la "sem rugas nem manchas".
Quando escuto críticas dizendo que o padre Comblin é pessimista ou que realça mais o negativo, me lembro do saudoso padre Alfredinho (Alfredo Kunz) que, nos anos 70, em Crateús, comparava os profetas bíblicos com os urubus que via nos telhados das casas de periferia. Ele dizia: "Normalmente, ninguém gosta de urubu e entretanto das aves é a mais útil no sertão do Nordeste a cuidar da higiene e da limpeza pública".

Já que foi citado o primeiro livro dos Reis, é bom lembrar que no capítulo 22 deste mesmo livro, os reis de Judá e de Israel querem consultar um profeta de Deus e o rei Josafá pergunta ao seu colega de Israel: Será que aqui não tem ao menos um profeta do Senhor? E o rei responde: "Só tem o profeta Miquéias, filho de Jemla, mas eu o detesto, porque ele so profetiza desgraças e só diz coisas negativas". O relato conta que o profeta é obrigado a dizer o que Deus lhe inspira e por isso é esmurrado, preso e mantido a pão e água. A maioria dos profetas bíblicos viveu isso e mereceu a mesma crítica feita ao meu mestre padre Comblin. Jeremias denuncia os profetas falsos como sendo aqueles que dizem "Está tudo bem! Estamos em paz!" quando de fato está tudo mal (Cf. Jr 14, 13- 15 e outros). Através do profeta, Deus pergunta: "Por acaso a minha Palavra não é como um fogo que queima, um martelo que fende até rocha?" (Jr 23, 29).

Eu e todos os que conhecemos o padre Comblin sabemos que ele se mantém sempre jovial e bem-humorado, assim como ativo na sua inserção junto aos mais pobres e na sua dedicação às Igrejas locais que o Concílio Vaticano II afirmou serem Igrejas no sentido pleno do termo. É o modo dele obedecer à proposta da conferência episcopal de Medellin que pedia: darmos à nossa Igreja o rosto de uma Igreja pobre e despojada de poder, missionária e pascal, comprometida com a libertação da humanidade toda e de cada ser humano em sua integralidade" (Med 5, 15). Deus o mantenha entre nós por muito tempo, lúcido como está, com a mesma coragem profética de nos dizer as coisas e sempre fiel ao que o Espírito diz hoje às Igrejas.

(Texto transcrito de: http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=1&noticiaId=1820  por Frei Décio Pacheco Bezerra, ofm cap)

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