sexta-feira, 2 de março de 2012

Quaresma: caminho existencial para mudanças

Irmãos e irmãs que nos acompanham pelos meios sociais de comunicação, paz e bem.

Estamos adentrando no 2º Domingo da Quaresma e nele somos convidados a subir a montanha com Jesus e três dos seus discípulos para fazermos a experiência da intimidade, recebermos a visão de sua glória e o mandamento de escutar a sua palavra.
Nossa caminhada quaresmal deste ano se reveste de uma alegria ainda maior ao nos preparamos, também, para em maio e junho participarmos da ordenação presbiteral de dois de nossos irmãos capuchinhos:
Frei Mauricio dos Anjos e Frei Arcanjo.


 Não poderíamos deixar de lembrar que também já iniciamos os preparativos para a comemoração dos 50 anos da promulgação da Constituição Sacrosanctum Concilium que trata da Sagrada Liturgia. Essa comemoração, em especial, está sendo preparada e celebrada com muita reflexão sobre o tema. Por isso, juntando tantas celebrações - Caminhada quaresmal com o ressuscitado, ordenações presbiterais e Sacrosanctum Concilium - nada melhor que publicar o texto elaborado pelo Frei Maurício dos anjos para a sua participação no seminário Nacional de Liturgia que aconteceu em Itaici do dia 31 de janeiro a 04 de fevereiro. Eis o texto.

Música e Canto Litúrgico

Em todos os estudos sobre o canto e a música na Liturgia, devemos ter bem claro o princípio fundamental formulado pelo Concílio Vaticano II: "... a música sacra será tanto mais santa, quanto mais intimamente estiver ligada à ação litúrgica..." (SC 112c). Assim, uma autêntica celebração exige que se observe exatamente o sentido e a natureza próprios de cada parte e de cada canto. Quanto mais gerais forem então os textos dos cantos e menos ligados à ação litúrgica ou ao tempo e à festa, tanto mais podemos dizer que não são eles litúrgicos, pois o importante é cantar a Liturgia, e não simplesmente cantar na Liturgia, como tantas vezes acontece.


Inserido na Liturgia, como parte integrante desta, o canto litúrgico participa de sua sacramentalidade, tornando-se então mistagógico, ou seja, capaz de conduzir a assembléia celebrante ao âmago do mistério. Por isso, é canto objetivo, que nasce da fé bíblica e eclesial, canto, pois, ritual, com função ministerial na Liturgia, seja acompanhando um rito, como é o caso dos cantos processionais (Entrada, Oferendas e Comunhão), seja por ser ele mesmo o rito, como no caso do “Glória” e do “Santo”. O mesmo não se pode dizer do canto simplesmente religioso, devocional, limitando-se este a sentimentos de ordem puramente subjetiva, sem ligar-se, portanto à objetividade litúrgica.


Traduzindo o pensamento conciliar e o ensinamento da Igreja, queremos dizer então que, na Liturgia, não se canta por cantar. Não se canta para encher espaço ou cobrir possíveis vazios na celebração. Também não se canta por ser o canto bonito e cheio de mensagens, simplesmente. O canto, na Liturgia, não é divertimento nem se destina a tornar a celebração mais leve, mais agradável, mais movimentada. O canto litúrgico nunca pode ser mero enfeite, pois ele tem, na celebração, uma função ministerial, que lhe é própria. Às vezes, porém, certos cantos nos deixam a impressão de estarem apenas embelezando o momento celebrativo.

Na Liturgia, o canto une as pessoas, anima e dá vida à celebração, como afirma Ione Buyst. Facilita passar de "uma só voz" a "um só coração" e, finalmente, a "uma só alma", como se vê na espiritualidade das comunidades primitivas (cf. At 4,32a). Podemos, pela Liturgia, unir nossa voz à dos anjos, em Liturgia terrestre e celeste, como acontece de fato no canto do “Santo”, sendo realmente nosso canto exultação de um povo feliz e redimido, que caminha para a casa do Pai.

Na linguagem bíblica e litúrgica, canto se associa ao Espírito Santo, e espírito tem relação com sopro, vento. O Espírito de Deus suscita em nós o "som", a vibração correta, que nos faz pensar e sentir em uníssono com o próprio Deus. O canto produz, pois, a harmonia universal. Aliás, a palavra "canto" tem sentido de "harmonia". Assim, podemos dizer que a criação, na sua harmonia, é um canto de louvor a Deus, e a Liturgia, nas palavras de Paulo VI, “é o louvor de Deus, na linguagem de um povo orante”. E com razão Bento XVI sublinha que “a música sacra tem que nos levar para outro mundo, para uma nostalgia do transcendente”.


O canto amplia o sentido das palavras e, por outro lado, sonda o mais profundo da interioridade do ser, cativa e faz brotar os sentimentos mais puros e profundos da alma humana. Ele liberta-nos dos limites da palavra, do racionalismo intelectual, do mero conceito, para dar-nos uma projeção do infinito e do indizível, na alegria que faz o coração exultar diante do mistério. É nesse sentido que São Tiago pergunta e, ao mesmo tempo, responde: "Está alguém alegre? Então cante!" (cf. Tg 5,13b).


Devemos vivenciar juntos a profundidade espiritual de um canto, pois a música, na Liturgia, é chamada a uma densidade teológica e espiritual à altura do mistério que nela celebramos. Por isso, não se pode escolher qualquer canto e qualquer música para a celebração, pois, como já vimos, ela deve aderir-se à natureza da Liturgia, na sua funcionalidade ministerial. A letra e a música deverão, assim, ser feitas no Espírito, levando-se em conta a situação ritual do canto, como também o tempo litúrgico ou a festa celebrada.

Frei Mauricio José Silva dos Anjos, OFMCap
Ordem dos Frades Menores Capuchinhos - Província de São Paulo.
Fraternidade Nossa Senhora Aparecida – Dracena - SP

Bibliografia.
“Sacrosanctum Concilium”, Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia, 1963.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Estudo sobre os cantos na missa. 2. ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1978. (Estudosda CNBB, 12).
______. Pastoral da música litúrgica no Brasil. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1976. (Estudos da
CNBB, 7).
____. A música litúrgica no Brasil. São Paulo: Paulus, 1999. (Estudos da CNBB, 79).
BUYST, Ione. Música Ritual. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 93, [mai./jun.] 1989, p. 88.
______. Música Ritual. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 94, [jul./ago.] 1989, p. 124.
______. Música Ritual. Revista de Liturgia, São Paulo, v. 98, [mar./abr.] 1990, p. 61.

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