Irmãs e irmãos em Jesus Cristo, Palavra encarnada do Pai: Paz e bem.
Nos dias 4, 5 e 6 de setembro, aconteceu em São Paulo, na casa de Encontros "Lareira de São José", bairro de Tremembé, o Encontro de Compositores liturgicos promovido pelo Setor de Canto e Música Litúrgica da CNBB. Foi um momento de partilha da caminhada e tempo especial de formação no serviço de composição litúrgico-musical
E o porquê de se promover um encontro de compositores de canto litúrgico?
Muitas vezes se esquece, de forma proposital ou não, que a liturgia é a primeira e a mais necessária fonte de espiritualidade (cf. SC 14). Esta afirmação é fruto de 60 anos de movimento litúrgico, em busca de unir liturgia e teologia (catequese), liturgia e espiritualidade (devoção).
A grande novidade do Concílio Vat. II foi re-colocar no centro da vida cristã e da liturgia o mistério pascal. Cada celebração (Eucaristia, sacramentos, Ofício Divino, celebração da Palavra...), é memorial do mistério pascal de Cristo, ao longo do ano litúrgico, com seu ritmo anual, semanal e diário.
Os tempos e as festas que voltam a cada ano não são uma representação das mesmas coisas, mas se trata da representação sacramental da memória de Cristo e de sua Igreja.
O ano litúrgico tem como objetivo levar os fiéis a participarem de todo o mistério de Cristo, desenvolvido no decurso de um ano. Com esta recordação a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes no tempo, para que os fiéis, em contato com eles, se tornem repletos da graça da salvação (cf. SC 102).
Sendo a liturgia tão fundamental, ela "é como um poema, não suporta enfeite nenhum" diz Adélia Prado.
E o que é a música liturgica? É um enfeite? E ainda pior, um enfeite, como muitos a tratam, de segunda categoria na celebração e a última a ser lembrada?
Quem, antes de iniciar a construção de um templo, pensa na acústica? Em nossas comunidades se investe mais no som da Igreja ou no som para o bingo? O que tem mais valor, os instrumentos e a formação liturgico-musical dos leigos, ou o carro zero quilômetro do pároco?
E na preparação do repertório? Escolhe-se aquilo que serve para agradar o "gosto" de um pessoa ou de um grupo específico e condiga com suas ideologias e seu "espiritualismo" ou o que o Padre manda (mesmo não tendo nada a ver com a liturgia)? Canta-se sempre a mesma coisa usando como desculpa que se deve cantar o que "o povo gosta e sabe" e não há esforço para aprender algo novo? Por fim, canta-se qualquer coisa para tapar "buraco" na celebração...
Vejamos o que diz o Estudo 79, n. 191, da CNBB sobre a música litúrgica no Brasil:
"A música, a mais espiritual de todas as artes, tem tudo a ver com a experiência do Senhor Ressuscitado. que coisa mais que o canto em uníssono, o canto hamonioso, ora suave, ora fote, acompanhado dos toques e sons sugestivos dos instrumentos e realçado pela força comunicativa da dança, poderá nos transportar a esses mundos recônditos e nos fazer experimentar juntos o invisível, o inefável, levando os corações a vibrar juntos por aquelas 'razões que a própria razão desconhece'"?
A música será tanto mais santa quanto mais intimamente estiver unida à ação litúrgica, quer como expressão suave da oração, quer favorecendo a unanimidade, quer, enfim, dando maior solenidade aos ritos sagrados. (SC 112).
Assim compreendida, a Música Litúrgica não pode ser tomada apenas como adorno ou acessório facultativo da celebração cristã da fé. Ela não é coisa que se acrescenta à oração, como algo extrínseco, mas muito mais, como algo que brota das profundezas do espírito de quem reza e louva a Deus (Instrução geral sobre a Liturgia das Horas, n. 270)
Para aqueles que desejarem aprofundar tão importante tema, sugiro o livro de Ione Buyst e Joaquim Fonseca, "Música ritual e mistagogia", da Editora Paulus, coleção liturgia e música, n. 7. Ali, fundamentados em toda essa literatura e experiência eclesial, condessam belamente todos esses aspectos e nos abrem a oportunidade de uma nova compreensão sobre a música ritual ou "funcional".
"Cantar é preciso, também na liturgia. Mas não vale cantar qualquer coisa, qualquer música de cunho religioso, qualquer música de nosso gosto e de nossa preferência. Na liturgia, cabe unicamente a 'música ritual'. Assim, na liturgia cristã, a música ritual vem carregada de 'sacramentalidade': é atuação transformadora de Deus em nós, que nos faz participantes de sua vida divina, que aprofunda em nós a vida pascal e nos mantém no caminho do seguimento de Jesus. Substituir a música ritual por uma música religiosa qualquer (de cunho sentimental, devocional, catequético, querigmático ou 'conscientizador') é lesar o direito da comunidade de 'cantar a liturgia', deixando-se moldar por ela." (grifo nosso. Acentuamos a questão de Cantar "A" liturgia, ao invés de cantar "NA" liturgia. Cf. Doc. CNBB, n. 79, paráf. 29).
Nos últimos quatro encontros, os compositores da CNBB refletiram com muito esmero sobre o canto das partes fixas (ordinário da missa), que é o mais importantes em grau. Não é um canto que 'acompanha' o rito mas é o próprio rito cantado. Nosso amigo de composição, Eurivaldo Ferreira, faz um ótimo resumo dessas reflexões em seu blog http://euriferreira.blogspot.com/2009/05/cantando-as-partes-fixas-ordinario-da.html. Aqui, transcrevemos uma parte:
Relação entre música e rito: três tipos de canto na celebração, em grau de importância:
1) Missa em Canto: cantos do presidente da celebração e dos ministros em diálogo do Ordinário com a assembléia: saudação inicial do presidente, oração do dia, introdução ao Evangelho – diálogo, oração sobre as oferendas, prefácio, as diversas aclamações na Oração Eucarística, Oração do Senhor (Pai Nosso), com a introdução e o prolongamento, oração e saudação da paz, oração após a comunhão, as fórmulas de despedida.
2) Os cantos que constituem o rito: as partes do Comum da Missa, chamadas também de Partes Fixas ou Cantos do Ordinário, cantados em comum, pelo presidente, os ministros e toda a assembléia: Senhor, tende piedade de nós – Kyrie, Glória, Salmo responsorial, Creio (Símbolo), Preces, Santo, Aclamação memorial, Doxologia final.
3) Os cantos que acompanham o rito: as partes da Missa ou o próprio da Missa, cantos de abertura, aspersão do povo, aclamação ao Evangelho, resposta da oração universal dos fiéis, canto da apresentação dos dons, fração do pão (Cordeiro de Deus) e canto da comunhão. Ainda: canto do abraço da paz, pós-comunhão e louvor final (facultativos).
Observações:
a) Os cantos que constituem o rito são mais importantes que os que acompanham o rito. Vantagem: não precisam de papel, e sim cantados “de cor”, favorecendo a comunicação;
b) Não devem ser substituídos por paráfrases ou outros cantos;
c) As melodias respeitem os diversos gêneros e formas; diálogos, proclamação de leituras, salmodias, antífonas, hinos e cânticos, aclamações (Aleluia, Santo, Amém). Outras formas: balada, coral, spiritual, nossas canções;
d) Equilíbrio entre as partes cantadas, usando a criatividade, dependendo da festa ou da solenidade, da assembleia, das possibilidades;
e) Na escolha dos cantos, não fazer opção pelo novo, mas pelo melhor (Santo Agostinho);
f) Equilíbrio entre cantar tudo e entre cantar nada. Dosar.
g) Cantar A liturgia, não NA liturgia, um canto qualquer, dispersivo, mas o rito, a Palavra, a festa, o mistério celebrado.
Frei Telles, Ir. Míria e Eurivaldo Ferreira (o Euri)
Nesse nosso quinto encontro, iniciamos uma série de reflexões sobre "Cantar a memória de Maria no tempo litúrgico". Com esse tema, nós compositores, visamos o aprofundamento dos critérios que podem auxiliar todos os compositores em todo o Brasil quando se trata de compor para celebrações em que ocorre a memória da figura de Maria.
"A devoção a Maria é muito marcante e intensamente presente nas comunidades, de norte a sul do país, e o compositor necessita de aprofundamento teológico, bíblico e litúrgico a fim de que as músicas a ela dedicadas estejam em sintonia com o pensamento da Igreja e, ao mesmo tempo, afinadas com a realidade cultural do povo” (Pe. José Sala, assessor da CNBB do setor de musica litúrgica)
O principio fundamental para todo início de reflexão sobre música litúrgica em toda a celebração da Igreja cristã, inclusive as celebrações que são realizadas em memória de Maria, Mãe do Senhor, é não esquecermos que são sempre feitas para o louvor do Pai, por Jesus Cristo, seu Filho, na comunhão e sob a inspiração do Espírito Santo. Tendo como referenciais básicos para a composição a bíblia, a teologia mariana presente em nossa tradição, a cultura musical e a vida e história do povo.
O assessor da CNBB recorda que o texto que melhor inspira canções sobre a Virgem Maria é o hino que ela cantou, de acordo com o evangelho de São Lucas, conhecido como Magnificat.
“É aí que podemos sintonizar de maneira mais profunda com os sentimentos de seu coração e sua experiência de fé, esperança e caridade: uma mulher pobre, profundamente solidária com sua gente, totalmente entregue à missão que Deus lhe confia, de servir incondicionalmente à causa maior da libertação de seu povo e de toda a humanidade, para que as promessas de Deus se realizem em plenitude, e o Reino aconteça “assim na terra como no céu”, acentua padre Sala.
Frei Décio, Pe. José Weber e Pe. Sala
Quem conduziu as reflexões do primeiro dia, abordando o lado antropológico e sociológico, com ênfase na devoção popular, da figura de Maria, foi Reginaldo Veloso, presbítero das Ceb's.
Frei Adolfo Theme e Pe. Reginaldo Veloso
Durante as tardes, tínhamos oficinas. No primeiro dia, trabalhamos ritmos brasileiros e as várias possibilidades de inserção de diversificados instrumentos percurssivos nas músicas. O percurssionista Caju nos conduziu nesse descontraído momento...
Pe. Weber, Ir. Custódia, Pe. Osmar Bezzute e Frei José Moacyr (Ir. Custódia não largou mais a meia-lua)
Pe. Weber mandando "quase" (hehehe) muito bem no pandeiro...
Durante as tardes dos outros dois dias, iniciamos outras oficinas. Nos separamos em duas turmas. Uma delas conzuzida por Paula Molinari, trabalhou aspectos de composição musical; a outra, com Roberto Lima, dedicou-se a análise e criação da correta prosódia do texto que será musicado....
À noite, fomos assistir à peça teatral "Alma imoral" (cf. http://www.almaimoral.com/) monólogo com a atriz Clarice Niskier, que leva ao palco a adaptação, feita por ela mesma, do livro homônimo do rabino Nilton Bonder.
O livro do rabino, adaptado à peça teatral, levou-nos a refletir que esse mundo de interdisciplinaridade, religião e biologia, tradição e sobrevivência, continuidade e mutação não são áreas desconexas. Mas do que tudo, num mundo que redescobre o corpo, faz necessária uma nova linguagem para descrever a natureza humana. Num texto que provoca a comparação entre preservação e evolução com tradição e traição, A alma imoral aponta para um paraíso onde os únicos mandamentos eram "multiplicar-se" e lidar com a questão da "transgressão". A consciência humana é formada desta descoberta fantástica de que nossa tarefa não é apenas a procriação, mas, nas condições certas e na medida certa, transcender a nós mesmos. Esta traição para nós mesmos, que é vital para a continuidade da espécie, gera o conceito de alma. "Toda Tradição é uma Traição à alma imoral"
Reginaldo Veloso ficou com a "alma" bem apertada entre Os "fortinhos" André Zamur e Leandro de S. J. dos campos!
Na manhã de domingo, Ir. Penha Carpanedo conduziu nossas reflexões e já foram dispontando muitas poesias e canções à memória de Maria. Frei Joaquim Fonseca também nos falou um pouco de sua tese de mestrado sobre as "Incelências", dando enfâse à presença tão importante de Maria, a Mãe de Jesus, nesse momento tão importante e marcante de nosso povo...
Daniel de Angeles e Ir. Penha Carpanedo
Na manhã de segunda-feira, Pe. Osmar Bezzute nos conduziu o momento de Lectio Divina (leitura orante da Palavra de Deus).
Pe. Osmar, Diác. José Carlos, Frei José Moacyr, Frei Décio e José Bruno do Rio de Janeiro.
De tarde, encerramos os trabalhos apresentando as novas composições e avaliando o encontro. Todos estavam muito contentes, principalmente com o brotar de novos compositores e compositoras dentro cenário brasileiro de música litúrgica.
Não podíamos encerrar sem destacar a marcante presença dos capuchinhos no encontro. Lá estavam Frei Leandro da fraternidade de Dracena, Frei Décio da fraternidade de Santo André e Frei José Moacyr Cadenassi da fraternidade de Taubaté.
Cantemos, pois, irmãos e irmãs, aquilo que brota do nosso coração de ressuscitados em Cristo. Entoemos louvores ao Altíssimo que sempre "Faz em nós maravilhas" e com seu braço estendido "Eleva os humildes e destrona os poderosos", possibilitando o Reinado de Deus em nosso meio...
Que nosso canto seja sempre um "Canto novo" conduzido pelo Espírito, juntando a nossa voz a Jesus Cristo, o primeiro Vivente, num perene louvor ao Deus Pai-Mãe que nos conduz a plena vida!
Frei Décio Pacheco Bezerra, OFMCap - Fraternidade Santo Antônio, Sto André - SP
Frei Décio, parabéns pelo seu texto e pelas composiçoes que esta criando, sao frutos de uma verdadeira e profunda espiritualidade liturgica, me alegro em saber que na provincia existem frades com essa sensibilidade. Grande abraço e continue trilhando pelos caminhos da reflexao liturgica!!! Fr. Takaki
ResponderExcluirFrei Décio, você é de+! Parabéns pelo belíssimo texto e pelas maravilhosas e profundas composições... Continue encantando e entoando "Cantos Novos ao Senhor da Seara".
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