domingo, 28 de março de 2010

Vocação: resposta do coração


Algumas perguntas pertinentes a nossa vocação são feitas por nós a cada instante, outrora não mereceríamos ser chamados a tal caminho. Questionar significa realmente assumir a vocação.

A língua latina e a teoria da comunicação neste caso podem ajudar-nos à compreensão. Vocação vem do latim vocare que significa chamar. O chamado somente acontece quando o receptor ouve a voz do emissor. Quando ansiamos à vida religiosa, primeiramente pressupomos que a mensagem divina foi comunicada a nós e o exercício de questionar implica abrirmos nossos ouvidos à espera da voz de Deus.

Enquanto criança o homem encontra nos pais a fonte primária do saber. É perguntando que ela descobre o mundo, logo quando maior, sua independência acarretará outra visão das coisas. Diante da vida religiosa, temos que nos comportar como homens conscientes, não mais inocentes enquanto condicionados.

O sujeito que questiona deve ir bem mais além de sua pergunta, deve também dar uma resposta, pois a resposta de sua instigação não pode parar na experiência do outro, ela deve ser própria. A partir do momento que consigo uma reposta para as minhas perguntas, preciso saber responder também, mas agora de um modo coerentemente particular.

Nas Constituições da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos podemos encontrar uma exortação à resposta pessoal ao chamado de Deus:

Deus, em sua bondade, chama todos os fiéis na Igreja para a perfeição da caridade em diversos estados de vida, promovendo assim a santidade de cada um e a salvação do mundo. A essa vocação cada um deve dar uma resposta de amor com a maior liberdade, conciliando a liberdade da pessoa humana com a vontade de Deus. Alegremo-nos com gratidão pela graça especial da vocação que nos foi concedida por Deus. Correspondendo a essa vocação capuchinha, demos um testemunho público e social da vida de Cristo, que já é presente e é eterna; seguimos o Cristo pobre e humilde; difundimos o seu anúncio por toda parte, a todos os homens, principalmente aos pobres. Assim, numa fraternidade de peregrinos, que fazem penitência de coração e de fato, servindo a todos os homens em espírito de minoridade e alegra, dedicamo-nos à missão salvadora da Igreja (...). Abraçando essa vida, os candidatos prestam um verdadeiro serviço a Deus e aos homens e desenvolvem a própria personalidade. Para podermos dar um testemunho claro dessa nossa vida, precisamos renovar-nos continuamente (...) (Cap. 2, art.1, negrito nosso)¹.

Dar uma resposta de amor a um chamado de amor é nossa missão. Como os profetas e santos, podemos questionar porque nós, justo nós, pois há tantas pessoas que julgamos serem melhores. Quando Deus nos chama está depositando em nós sua credibilidade e força.

Quem chama sabe que não está privado de questionamentos e sabe também que sem tal atitude reflexiva o objetivo a que chama pode falhar. No caso do não êxito de quem seria o dano? Procuremos não pensar em prejuízos, pois quando Deus chama alguém o quer bem. Quem responde, pode fazer assim de diversas maneiras, qualitativamente ou não, sua resposta precisa revelar o que é até o determinado momento o verdadeiro, pois somente assim, outras respostas ainda melhores poderão surgir.

Procuremos a exemplo de nosso Seráfico Pai Francisco a conversão diária e a luz para termos claras respostas. Inspirados no santo de Assis façamos a experiência da Cruz de São Damião, ela aponta a luz tão necessária para o discernimento vocacional.

Altíssimo glorioso Deus, ilumina as trevas do meu coração.
Dá-me uma fé direita, esperança certa e caridade perfeita,
sentido e conhecimento, Senhor, para que faça vosso santo
e verdadeiro mandamento. Amém.


André Luiz Carniello, Postulante Capuchinho do 2º. ano

segunda-feira, 22 de março de 2010

Dia Mundial da Água

l


Bom Dia,
Com Paz e Alegria!

Em Dia Mundial da Água,
cantamos com Francisco de Assis:


«Louvado sejas, meu Senhor,
pela nossa irmã água,
que é tão útil e humilde
e preciosa e casta».





Pela irmã água do seio materno,
que amorosamente nos envolve e acompanha
em nossa gestação e crescimento;

Pela irmã água da chuva,
ora serena ora violenta e arrasadora,
a lavar cidades e aldeias;

Pela irmã água do mar imenso e majestoso,
a desafiar-nos ao lazer e ao convívio
e aos desportos radicais
e a sulcar horizontes de profundidade e de universalidade;

Pela irmã água dos rios
que serpenteiam montanhas e vales,
a irrigar campos e sementeiras;

Pela irmã água das torneiras e dos chuveiros
que em cada manhã nos desperta
para a vida e para a missão;


Pela irmã e mãe água do Batismo,
que nos traz vida nova, nova esperança
e novo compromisso na construção da Cidade
onde habita a Paz e o Bem:
Louvado sejas, meu Senhor!

Abraço fraterno de Paz e Bem,



Frei Acílio


sábado, 20 de março de 2010

Tanto Deus amou o mundo

Ao meditarmos as leituras do Tríduo Pascal, percebemos o sentimento tão humano que se tornou divino e tão divino que se tornou humano: o amor.

Os relatos da Paixão nos remetem aos primeiros dias da Igreja. São as primeiras partes do Evangelho que se formaram na tradição oral e que circulavam entre os cristãos. Nessa fase dominavam os fatos; tudo se resume em dois eventos: morreu – ressuscitou. A fase do simples fato foi, porém, bem cedo superada. Os fiéis se colocaram de imediato a perguntar sobre o significado daqueles fatos, isto é, sobre o porquê da Paixão: “Por que Deus sofreu?” A resposta foi: “Porque Deus nos ama”. Nasce deste modo a fé pascal, expressa na seguinte proposição: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos a vida por meio dele ” (1 Jo 4, 9).

Existiam assim os fatos e também o significado para nós dos fatos. A resposta parecia completa, história e fé formavam finalmente um único mistério pascal. Todavia não atingira ainda o fundo verdadeiro do problema; a pergunta permanecia de uma outra forma: E por que morreu pelos nossos pecados? A resposta que iluminou a Igreja foi: porque nos amava. “Amou-nos e deu-se a si mesmo por nós (Ef 5,2); Amou-me e deu a si mesmo por mim (Gl 2,20); Amou a Igreja e deu a si mesmo por ela ” (Ef 5,25). O evangelista São João, que escreveu depois dos outros, atribui esta revelação ao próprio Jesus terreno quando disse: “Ninguém tem um amor maior do que este: dar a vida pelos próprios amigos. Vós sois meus amigos” (Jo 15,13-14).

Jesus, ao morrer por livre vontade, quis com isso restaurar a beleza original que fora corrompida pelo primeiro pecado, quando nosso primeiro pai, Adão, almejou a divindade de Deus. Assim como no paraíso, o homem comeu o fruto proibido da árvore querendo ser Deus. De tal modo, Jesus Cristo, experimentando a árvore da cruz, assume a humilhação humana e “querendo” deixar de ser Deus, experimenta o caminho do abandono e, por isso, no alto da cruz ele brada: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Sl 22,1).

Com Jesus, Deus não nos fala mais de longe, por meio de intermediários, fala-nos de perto e fala-nos em pessoa, por dentro da nossa condição humana, depois de ter saboreado até ao fundo o sofrimento. O amor se fez carne e veio habitar em nós! Já há quem lia assim Jo 1,14.

O seu amor se fez amizade: “não vos chamei mais servos, mas vos chamei amigos” (Jo 15,15), mas não para aqui; ele chega a uma identificação com o homem, para o qual não bastam mais analogias humanas nem mesmo aquela da mãe, do pai ou do esposo: “Permanecei em mim –diz – e eu em vós” (Jo 15,4).

Finalmente a prova suprema deste amor pode ser sintetizada assim: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1), isto é, até o extremo limite do amor. Duas coisas revelam o amante verdadeiro e o fazem triunfar, a saber: a primeira consiste em fazer o bem ao amado; a segunda, de longe muito superior, consiste no sofrer por ele. Por isso, para dar-nos a prova de seu grande amor, Deus inventa o seu próprio aniquilamento (Kenosis), realiza-o e faz de modo a se tornar capaz de sofrer coisas terríveis. Assim, tudo aquilo suporta, Deus convence os homens do seu extraordinário amor por eles e os atrai novamente a si, eles que fugiram do Senhor bom, crendo ser odiados por ele. Jesus repete a nós aquilo que disse um dia a uma santa: “Não te amei por brincadeira” (Ângela de Foligno).

Para saber quanto Deus nos ama, temos agora um meio simples e seguro: olhar quanto sofreu! Não só no corpo, mas sobretudo na alma, porque a verdadeira Paixão de Jesus é aquela que não se vê e que o faz exclamar no Getsêmani: “A minh’ alma está triste até a morte” (Mc 14, 34). Jesus morreu no seu coração, antes que no seu corpo. Quem pode penetrar o abandono, a tristeza, a angustia d’ alma de Cristo e sentir-se tornado “todo pecado”, Ele o inocentíssimo Filho do Pai? Com razão, a liturgia da Sexta-feira Santa pôs nos lábios de Cristo na cruz aquelas palavras de lamentação: “Povo que ti fiz eu, em que foi que te contristei? Por que a morte me levaste entregando o próprio rei?”

É pensando nesse momento que foram ditas aquelas palavras: “Assim Deus amou o mundo” (Jo 3,16). No início de seu Evangelho João exclama: “Vimos sua glória!” (Jo 1,14). Ao perguntarmos onde ele viu sua glória, a sua resposta seria: “Sobre a cruz vi sua glória!” Porque a glória de Deus está em ter escondido a sua glória para nós, em ter nos amado até o fim. Esta é a glória maior que Deus tem fora de si mesmo, fora da Trindade. Maior de ter nos criado e ter criado o universo. Agora que está à direita do Pai na glória, o corpo de Cristo não conserva mais os sinais e as características da sua condição mortal, pois seu corpo fora divinizado. Uma coisa, porém, permanece ciosamente e mostra a toda corte celeste: “O AMOR É FORTE COMO A MORTE” (Ct8, 6).

Ramires James Moscardo, postulante Capuchinho - Piracicaba - SP





quinta-feira, 18 de março de 2010

Uma voz que grita, seu sangue é nossa bebida

São Romero da América, Pastor e Mártir”

“Se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho”

Vou arriscar-me a escrever algumas linhas sobre o nosso São Romero da América, não sei se conseguirei, pois se trata de uma singular grandeza a vida desse bispo, profeta e mártir de nosso povo, de nossa alma.

Estamos celebrando nesse mês o Jubileu de seu martírio. Dias antes de ser assassinado enquanto erguia o cálice com o sangue do Mártir Maior, Jesus Cristo, d. Romero sentenciava: “O martírio é uma graça de Deus que não creio merecer, porém, se Deus aceita o sacrifício de minha vida, que meu sangue, então, seja semente de liberdade e sinal de que a esperança será logo uma realidade”.

Desde as comunidades primitivas, o sangue dos mártires são sementes de liberdade que atualizam a paixão de Cristo. Os mártires trazem a palma da vitória na mão e nos oferecem o sangue no cálice de que todos nós devemos beber.

Lembrar de nossos mártires é lembrar o perfume que emana de sua profecia. O Reino está entre nós. Ser mártir por causa do Reino é uma graça que poucos mereceram. A memória do martírio é uma memória subversiva já nos lembra o bispo de São Felix do Araguaia.

Apesar das contradições de nossa história, d. Romero segue ressuscitando a vida de seu povo - de nosso povo - Latino Americano. No início de seu ministério episcopal, d. Romero assume uma linha conservadora de pastoral. Após sua nomeação de Arcebispo de El Salvador nosso mártir inicia seu processo de “conversão”. Passa categoricamente a defender os pobres, num diálogo ecumênico e universal.

“Tudo é graça, tudo é Páscoa”. Jubileu é tempo de renovação, de buscarmos o espírito crítico, criativo e cuidador como nos aponta Leonardo Boff. Jubileu é momento impar de renovação. Precisamos acender a lâmpada de nossa esperança.

Em nosso país estamos vivendo a Campanha da Fraternidade, que nesse ano é Ecumênica. Lembramo-nos a palavra ardente de Jesus: “vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”. São Romero nos aponta a uma santidade tão mística quanto política. Precisamos vencer essa “gangue monstruosa que é o capitalismo neoliberal”, e servirmos a Deus no próximo. Só assim, então, poderemos construir o “outro mundo possível”, onde a economia está a serviço da vida.

Num dado momento de sua entrega d. Romero não fora compreendido pelos seus irmãos de “báculo e de mesa”. Será que alguma sinagoga bem montada e estruturada pode compreender o Cristo? Não sei. O que sei é que d. Romero se manteve fiel no seguimento de Jesus, Reino adentro. Seu sangue é semente de vida a brotar em nossa vida de paixão e morte. Morte e Ressurreição no Reino futuro.

Quero terminar essa memória, lembrando uma poesia feita pelo nosso querido irmão d. Pedro Casaldáliga que com o irmão Parkinson louva e agradece a Deus pela vida de São Oscar da America Latina:

“Estamos outra vez em pé de testemunho,
São Romero de América, pastor e mártir nosso!
Romero de uma paz quase impossível nesta terra em guerra.
Romero em flor morada da esperança incólume de todo o Continente.
Romero da Páscoa latino-americana.
Pobre pastor glorioso, assassinado a soldo, a dólar, a divisa
O Povo te fez santo.
A hora do teu Povo te consagrou no kairós.
Os pobres te ensinaram a ler o Evangelho.
São Romero de América, pastor e mártir nosso:
ninguém há de calar tua última homilia”! Amém.

Leandro Longo, postulante capuchinho - Piracibaba - SP






Você quer ser um Frade Capuchinho?

O que você vai ser?
Você é jovem. Tem todo o futuro aberto à sua frente. O que você vai fazer com essa sua vida tão preciosa. Neste livrinho, nós estamos querendo ajudá-lo a escolher um caminho. Falamos da possibilidade de você ser um missionário, uma pessoa consagrada a Deus. Pode até ser que o seu caminho não seja este, mas já foi para muitos jovens como você. Ainda está sendo. E, pelo menos, poderá ajudar você a escolher melhor, a confirmar melhor o que fazer de sua vida. Nós falamos de vocação para ser um frade capuchinho.

O que é vocação?
A vocação é um chamado de Deus ao qual a gente tem que responder todos os dias da vida. Cada pessoa tem de tomar consciência da vocação que sempre teve. A gente começa a perceber o que Deus quis no dizer desde o nosso nascimento até hoje, para ver se está respondendo de acordo com o chamado. Não se devem esperar "sinais" muito claros, milagrosos. O chamado vem, em geral, pelo que descobrimos em nós mesmos sobre as nossas inclinações e gostos. O fundamental é conhecer a si mesmo e, a partir disso, tentar fazer um projeto de vida: o que é que eu vou fazer, daqui a diante, da minha vida. Alguns sinais da vocação religiosa: Gostar de ser de Deus, de rezar. Gostar de prestar serviços aos outros, Gostar de conviver com os outros. Ter a saúde necessária para doar-se, mesmo com sacrifícios. Ninguém pode achar que tem vocação para a vida religiosa só por medo de enfrentar outras situações, por exemplo, por não querer casar-se.

Por que ser um frade?
Um frade é antes de tudo uma pessoa consagrada a Deus, que se entrega totalmente a Ele e, por amor dele, está disposta a prestar serviços aos mais necessitados. Em vez de cuidar da própria família, acha que tem amor suficiente para cuidar dos que não têm ninguém que olhe por eles. A palavra Frade quer dizer irmão, e dá um dos sentidos mais importantes da vocação. Um frade é uma pessoa que está disposta a viver a vida inteira com outros irmãos, sem se casar, dando testemunho para todas as pessoas de que, no céu, nós vamos viver para sempre um profundo amor de irmãos e irmãs entre todas as pessoas. Um frade é alguém que coloca todo o seu apoio, toda a sua esperança e toda a sua força, por amor a Deus, nos outros frades, seus irmãos. Sua garantia não esta no dinheiro, na saúde, num diploma, numa família, nem mesmo numa instituição. São os outros irmãos. Um frade tem o coração aberto para amar todas as pessoas, mesmo as mais difíceis. É claro que sempre a gente ama algumas pessoas mais intensamente, com mais alegria, mas sem querer ser o dono delas. Algumas outras pessoas a gente ama com mais dificuldade, mas sabe ir descobrindo o que elas têm de bom porque todos os filhos de Deus têm muitas coisas boas, mesmo que, logo no início, a gente não consiga ver. Por isso, São Francisco chegou a dizer que nós devíamos receber bem até os ladrões.

Por que um franciscano capuchinho?
Há muitos jeitos de ser um Frade, em ordens ou congregações muito diferentes. Os frades franciscanos seguem a proposta de vida de São Francisco de Assis. São Francisco e Santa Clara de Assis foram dois grandes santos que viveram oitocentos anos atrás e deixaram um bonito caminho espiritual que milhões de pessoas têm seguido até hoje. Na proposta franciscana, um dos aspectos mais importantes é levar extremamente a sério a vida em fraternidade, o amor entre os Irmãos e com todos os irmãos e irmãs deste mundo. Mas Francisco e Clara queriam principalmente seguir Jesus Cristo. Como Jesus Cristo tornaram-se pobres e penitentes. No fim, tornaram-se verdadeiramente "outros Cristos". Eles nos ensinam, com uma força especial, a descobrirmos Jesus Cristo dentro de nós mesmos e a nos transformarmos em bons filhos de Deus, como eles. Oitocentos anos atrás, São Francisco e Santa Clara fundaram três "ordens", os grupos de pessoas que seguiram seus passos no caminho de Deus. Um desses grupos para homens foi o dos frades franciscanos (OFM, OFMConv e OFMCap). Outro foi o das Irmãs Clarissas, para as mulheres que queria retirar-se para levar uma vida contemplativa. Outro admitia qualquer pessoa, mesmo as que queriam viver como casadas e trabalhando fora como todos os bons cristãos. Com o tempo, essas famílias se multiplicaram. Mesmo a Ordem Terceira, que era para pessoas leigas, acabou dando origem a muitas congregações religiosas, tanto de homens como de mulheres. Esses grupos surgiram desde o tempo de São Francisco, mas grande parte é dos séculos XIX e XX. São chamados de Terceira Ordem Regular. Quando colocamos um OFMCap, aí atrás, queríamos falar dos frades capuchinhos, um ramo dos franciscanos que se formou no século XVI, pouco depois do descobrimento do Brasil.

Missionários?
Missão quer dizer envio. Quer dizer que alguém nos mandou fazer alguma coisa importante. Muito importante. Ir buscar água ou comprar pão não é uma missão. Missionário é quem recebeu uma missão de Deus. Um dos sentidos comuns da palavra "missionário" é o de uma pessoa enviada para o meio de outro povo para anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo. Mas, onde houver necessidade de Jesus Cristo há um campo de vida e de trabalho para todos os missionários e missionárias. Nós pensamos na Missão de Jesus, a que ele recebeu de Deus Pai, quando nasceu como um ser humano. A missão dele é vir anunciar o Amor, que é Deus, que é a "vida em plenitude". Já foram escritas páginas belíssimas da história das Missões por homens e mulheres que, por amor de Jesus Cristo, chegaram a dar a sua vida países estrangeiros ou no meio de culturas que não conheciam ou não aceitavam o Evangelho. Não só deram a sua vida morrendo como mártires, mas também vivendo integralmente muitos anos na doação aos mais necessitados, aos excluídos. Mas não pode ser missionário da Boa Nova quem não se deixou embeber totalmente por ela. Nós não somos carteiros do Evangelho, que levamos a mensagem em um envelope: somos testemunhas, que levamos Jesus vivo em nossas vidas.

Por que Frades Capuchinhos?
Os frades franciscanos, os irmãos que conviveram com São Francisco, que também era um dos frades, começaram no século XIII e logo se espalharam por todo mundo conhecido daquele tempo. A proposta de São Francisco e o seu exemplo encantam muitas pessoas. Em todo caso, as coisas boas geralmente não são fáceis. Não era fácil viver aquele generoso amor fraterno, aquela pobreza radical, aquela obediência tão comprometedora de São Francisco. Depois que ele morreu houve uma tendência para ir sempre tornando as coisas mais fáceis. Mas também houve sempre reações para voltar ao espírito original. Foi num desses esforços de volta às origens que nasceram os frades capuchinhos. Eles também se espalharam bem depressa por todo o mundo daquele tempo. Hoje, estão bem representados em mais de noventa países, em todos os continentes. Também vieram para o Brasil já no século XVII. Quando se permitiu que recebessem vocações brasileiras, já no finzinho de século XIX, começaram a crescer e, hoje, são mais de mil e duzentos em nossa terra. Com os outros franciscanos e franciscanas, das três Ordens, formam hoje uma ativa Família Franciscana do Brasil, que cultiva os esforços para essa vocação de milhares de brasileiros e brasileiras seja vivida com ardor cada vez maior.

Você quer ser um frade capuchinho?
Você pode dar um sentido e um valor muito maior a sua vida sendo um Frade Capuchinho. O que mais dá sentido à vida de uma pessoa é o amor que ela é capaz de viver. Claro que você também pode ter a felicidade se encontrar uma boa mulher e constituir uma bonita família, vindo a ter filhos e netos que o amem e a quem você poderá dedicar o seu amor e desvelo. Mas procure conhecer bem o seu coração, por tudo que você já viveu até agora. Pode ser que Deus queira fazer você feliz em um amor muito mais amplo, aberto a muitos irmãos, a muitas pessoas que você vai amar e que também vão amar você por toda a vida. O que importa é que, mesmo quando acabar esta vida na terra, a gente continue a viver um amor sem fim entre todas as pessoas, na casa de Deus. Veja bem qual pode ser o seu caminho. Se você sentir que o seu caminho pode ser esse, de uma vida religiosa consagrada como um religioso, procure entrar em contato com os Frades Capuchinhos, nos endereços que lhe estamos dando no fim deste livrinho. Você não vai ficar imediatamente comprometido. Os Frades Capuchinhos vão lhe dar diversas oportunidades de você analisar melhor sua vocação, na sua casa mesmo e também nas casas deles. Só quando você se sentir realmente decidido é que vai assumir a responsabilidade de ser um Frade Capuchinho. Afora vamos falar um pouquinho mais sobre São Francisco de Assis, sobre as Ordens que ele fundou e sobre os Frades Capuchinhos.

Texto do livro "Você que ser capuchinho" de Frei José Carlos Corrêa Pedroso, OFMCap.
Encontre outros títulos sobre São Francisco e Santa Clara, espiritualidade franciscana, fontes francisclarianas no portal da Província dos capuchinhos de São Paulo: http://www.procasp.org.br/

terça-feira, 16 de março de 2010

Semanas Introdutórias ao Curso de Vida Religiosa - Postulantado



De 18 a 22 de fevereiro foi realizada, em Piracicaba, a primeira Semana Introdutória para o postulantado de 2010, ministrada pelo professor Dr. Edivaldo José Bortoleto – da Unimep – de Piracicaba, cujo tema foi:

Metodologia do Trabalho Científico.

“Todos os homens por natureza, desejam conhecer” escreveu Aristóteles na Metafísica, mas para se chegar ao conhecimento é necessário um método. Nós, postulantes, pensamos que o prof. Edivaldo fosse ensinar como fazer uma resenha, um resumo, isto é, o método, a parte mais técnica do processo do conhecimento, mas ele preferiu ir ao âmago da questão: o que é conhecimento? Caso nos fosse dado o método de como escrever um trabalho científico, dum certo modo seria imperfeito, pois teríamos as ferramentas para tal, mas não saberíamos o processo do conhecimento.

Qual é o método para se chegar a algum conhecimento? É o fascinante mundo das palavras encontradas nos livros. É significativo o que disse certa vez Rubem Alves: “o mundo de cada pessoa é muito pequeno. Os livros são a porta para um mundo grande”. Assim sendo, a leitura é a base para todo e qualquer trabalho cientifico, já que fornece conteúdo para pensar sobre algo, e faço minhas as palavras de Max Scheler: “Se as raízes dos estudos são amargas, seus frutos são docíssimos”.

Postulante: Ramires James Moscardo

Liturgia e música:

Iniciou no dia 25 de janeiro com os postulantes, a 2ª semana introdutória no Seminário São Fidélis, tendo como tema: Liturgia e música. Frei Marinaldo Caetano de Jesus esteve conosco na segunda e sexta-feira e apresentou-nos os seguintes temas: Liturgia, o que é mesmo? Sobre o lugar da liturgia na espiritualidade cristã e “Os comentários na liturgia da palavra”.

Frei Maurício José Silva dos Anjos nos acompanhou de terça (26) até quinta-feira (28), no período da manhã, abordando os seguintes assuntos: Um resumo sobre a importância da liturgia, ou seja, uma preparação para melhor celebrar a maior festa da vida cristã. Em seguida, nos ensinou a manusear a Liturgia das Horas. É importante salientarmos que manuseamos o breviário. Além disso, lemos um texto muito significativo da escritora Adélia Prado, em que ela afirma que a missa é como um poema em que não tem a necessidade de enfeites. Também assistimos a um vídeo sobre a Missa e sobre a Celebração da Palavra. Por fim, Frei Maurício assegurou que é preciso zelo e seriedade ao manusear os objetos litúrgicos.

Frei Décio Pacheco Bezerra nos acompanhou desde o dia 25 no período da tarde e apresentou alguns aspectos da paisagem sonora, e nos ensinou a história da música (desde a introdução até os conceitos musicais aplicados à liturgia).

Foi uma semana de extrema importância para nossa formação religiosa, já que ampliou os nossos conhecimentos sobre a liturgia e nos ajudou a melhor celebrar a festa Pascal, ou seja, a missa.

Postulante: Carlos Eduardo Fernandes

Filosofia de Santo Agostinho

Na última Semana Introdutória do Postulantado (de 08 a 12 de fevereiro), Frei Francisco nos apresentou a filosofia de Santo Agostinho e nos levou, através de indagações e da leitura da obra agostiniana “A vida Feliz”, a descobrir que somente é feliz aquele que possui a Deus, uma vez que ele é a Verdade e o Bem Absoluto. Para que pudéssemos assimilar melhor o conteúdo, Frei Francisco nos pediu uma resenha crítica sobre tal assunto e assistimos ao filme “Santo Agostinho”, de Roberto Rossellini.

Concomitantemente Frei Mateus explorou, através do texto “São Francisco de Assis e os estudos, uma questão”, do Frei Hermógenes Harada, a importância dos estudos na ordem franciscana. Além disso, Frei Mateus nos apresentou a importância e a riqueza da vida fraterna através do texto “Fraternidade, o coração da vida religiosa”, de Giuseppe Colombero. Para a compreensão de tais assuntos, o frei se utilizou de músicas e do documentário “De Medellín à Aparecida”.

Por fim, nós, postulantes, queremos agradecer, de coração, à disponibilidade do professor Edivaldo, de Frei Francisco, Frei Maurício, Frei Décio, Frei Mateus e Frei Caetano em nos conceder três semanas de aprendizado e muitas reflexões.

Postulante: Samuel Gasque de Moura


Artigo publica no portal da PROCASP (http://www.procasp.org.br/)

A espiritualidade do tempo da Quaresma

Quaresma.... Tempo de deserto, Tempo de mudança,
Invocamos tua resistência, Tua esperança, Teu amor sem medida.
Hoje e sempre.
Amém.

* Texto publicado oriignalmente na página da Faculdade Dehoniana (http://www.dehoniana.org.br/posicao1.asp)

Queridos irmãos e irmãs, estudantes do curso Teologia e Filosofia e todos que utilizam o site como meio de pesquisa e conhecimento da Faculdade Dehoniana, é com alegria e esperança que iniciamos este tempo favorável de conversão: o Tempo da Quaresma.

São Quarenta dias em que somos convidados a refletir sobre a nossa caminhada espiritual que nos purifica e nos conduz à ressurreição. Este é o verdadeiro sentido da Quaresma: nos preparar e levar para ressuscitar junto com Cristo. A quaresma é um caminho que nos leva a Jerusalém. Não a cidade geográfica, mas à paixão, morte e ressurreição do Senhor.

Nós cristãos celebramos todo ano a festa da Páscoa: memorial da paixão morte e ressurreição de Jesus e esperamos ser a nossa. È o maior de todas as festas cristã. A mais importante e grande de mais para ser preparada em apenas três dias ou uma semana. Por isso, estendemos a sua preparação para quarenta dias. Daí Quaresma, período de quarenta dias, que vai da quarta-feira de cinzas até a quinta-feira santa pela manhã.

Nesses quarenta dias de preparação para a Páscoa, Deus nos leva a lembrarmos os quarenta anos do povo de Deus no deserto. Sobretudo, revivemos os quarenta dias que Jesus passou no deserto, preparando-se para sua missão.

Para nós estudantes de Teologia, Filosofia e todos os discípulos missionário de Jesus, a Quaresma é um tempo forte em que fazemos o caminho para a Páscoa, motivados pela Palavra e unidos aos sentimentos de Jesus Cristo, cultivando a oração, o amor a Deus e a solidariedade com os irmãos para que juntos construamos a fraternidade.

É um tempo em que, na tradição da Igreja, os catecúmenos se preparam intensamente para o batismo na noite da Páscoa, isto é na Vigília pascal (Introdução do RICA, n. 21) .

Para nós que temos a missão de formar pessoas com sensibilidade humana e religiosa capazes de ajudar a sociedade a promover e defender a vida, e fortalecer os laços de fraternidade e estimular o diálogo, por meio do estudo sistemático dos diversos tratados da teologia a quaresma é um tempo de graça e benção, escuta mais intensa da Palavra de Deus, de conversão e mudança de vida, de recordação e preparação do batismo, de reconciliação com Deus e com os irmãos; tempo de oração mais intensa; tempo de jejum como aprendizagem, entrega e docilidade à vontade do Pai; tempo de esmola ou de partilha de bens e de gestos de fraternidade, de carinho com os pobres e necessitados.

A Quaresma é um tempo privilegiado que Deus nos concede para nos aproximar “mais” dele. É o tempo favorável de que precisamos para rever nossa vida. A Quaresma nos ajuda a responder a pergunta: Estamos caminhando para a Páscoa, para a Ressurreição? Ou estamos “parando” na sexta-feira da Paixão? Deus conhece o nosso coração e nos convida a atravessar este deserto rumo à Terra Prometida.

Juntamente com este tempo favorável, a Igreja no Brasil coloca para a nossa reflexão a Campanha da Fraternidade. Esta quaresma, conforme a proposta da CNBB, quer levar-nos a uma “economia de comunhão” em que o lucro seja fonte de generosidade e convite de abertura das mãos e do coração em favor de quem nada tem.

Esta é uma lúcida, oportuna e generosa Campanha da Fraternidade à luz da ressurreição do Senhor. Necessário, pois lembrar e entender: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24).

Peçamos a Deus, sob a intercessão da Virgem Dolorosa, a graça de abrir o coração a esta riqueza espiritual, que nos é concedida neste tempo favorável.


Oremos
O Pai dos oprimidos, companheiro dos sofredores, confessamos, neste tempo da quaresma, nosso medo diante das injustiças, nossa covardia diante da opressão, nossa indiferença diante dos preconceitos. Acolhe nosso coração contrito, Dá-nos a coragem dos anunciadores do teu Reino. Para que na alegria do perdão e da Ressurreição possamos celebrar a água cristalina, o vento leve, a chuva que inspire poemas, que nossas mesas sejam fartas, que o vinho traga alegria e a fé nunca nos falte, que a chuva nos surpreenda e que nunca nos falte o desejo de recomeçar. Assim seja.


Frei Mauricio José Silva dos Anjos é frade Capuchinho na Província de São Paulo. Entre seus trabalhos, está o de promotor vocacional.

Reside na Fraternidade Santa Clara – Taubaté – SP.

Origem da Reforma Capuchinha

No início do século XVI, fr. Mateus de Bascio, sacerdote da Ordem dos Frades Menores, jovem de pouca cultura mas com jeito de pregador popular, pertencia ao grupo, que na Província das Marcas reclamava a liberdade de observar a Regra ao pé da letra. Disse que teve uma visão, em que o próprio São Francisco o confirmou em sua atitude, no qual viu também que o hábito do Seráfico Pai não era o mesmo que então vestiam, mas muito mais rude e com capuz pontiagudo costurado à túnica. Adotou esta veste, e deu-se à prática literal da Regra. Por não contar com a aprovação de seus superiores, uma noite saiu secretamente de seu convento de Montefalcone e foi para Roma. Obteve de Clemente VII, a permissão para observar a Regra segundo seus desejos, vestir o hábito que já levava e andar pregando por toda a parte. Começou a anunciar a palavra de Deus, com grande fervor. O Provincial João de Fano mandou encarcerá-lo, como fugitivo e vagabundo, no convento de Farano. Quando estava preso havia uns três meses, a notícia chegou a Catarina Cibo, duquesa de Camerino, sobrinha de Clemente VII, que o venerava, porque exercera heroicamente a caridade junto aos empesteados em 1523, e exigiu imediatamente sua libertação.
Em fins de 1525, apresentavam-se ao mesmo provincial os irmãos de sangue fr. Ludovico e fr. Rafael de Fossombrone, pedindo permissão para retirar-se a um eremitério com outros companheiros, para observar a Regra em toda a sua pureza. Com a negação, eles fugiram e foram refugiar-se entre os conventuais de Cingoli. O provincial apressou-se em conseguir um breve pontifício, declarando apóstatas Mateus de Bascio e os dois irmãos. Eles pediram alojamento no eremitério dos Camaldulenses de Massaccio. Para prevenir-se contra novas investidas, Frei Ludovico, julgou mais conveniente passar para a dependência dos conventuais, com a mediação da influente duquesa. O Geral dos conventuais os recebeu deixando-lhes livres para viver conforme suas aspirações.

Catarina Cibo, apresentou uma petição de Ludovico e Rafael a seu tio, Clemente VII, quando este se encontrava em Viterbo. Depois de prudente exame, o Papa expediu a bula "Religionis Zelus" à 3 de julho de 1528, que dava existência jurídica à nova fraternidade. A Ordem Capuchinha estava fundada. A duquesa fez publicar imediatamente o documento, na praça pública de Camerino, e em todas as igrejas de seus domínios. A bula era dirigida a Ludovico e Rafael de Fossombrone e continha os seguintes pontos: faculdade para levar vida eremítica, seguindo a Regra de São Francisco, para usar barba e o hábito com capuz piramidal e para pregar ao povo; os reformados ficavam sob a proteção dos superiores conventuais, porém sob o governo direto de um superior próprio com autoridade semelhante aos dos provinciais; estavam autorizados a receber noviços, tanto clérigos como leigos.

Com a bula "Religionis Zelus" um grande número de observantes e alguns noviços foram unir-se aos Capuchinhos; foi preciso multiplicar os eremitérios e pensar numa organização mais planejada. Em abril de 1529, convocou-se o primeiro Capítulo (assembléia), formado por doze religiosos, com o fim de eleger os superiores e redigir as Constituições. Realizou-se no eremitério de Albacina. Ali foram escritas, à luz da oração e da letra da Regra, as primeiras Constituições, cujo conteúdo pode resumir-se nos seguintes pontos:

1. Recitação simples do ofício divino; supressão de toda a função pública para dar mais tempo à oração mental; uma só missa em cada convento, exceto nas festas; proibição de celebrar missas cantadas e de receber estipêndios; proibição de acompanhar funerais e tomar parte em outras procissões a não ser a de Corpus Christi e das Rogações.

2. Disciplina (auto-flagelação) diária depois das matinas da meia noite; duas horas obrigatórias de oração mental para os menos fervorosos; entretanto, todos devem fazer oração todo o tempo em que não estiverem envolvidos em outras ocupações; silêncio rigoroso em tempos determinados.

3. À mesa não se servirá mais que um prato; proíbe-se pedir carne de esmola, queijos e ovos; mas pode-se receber estas coisas quando oferecidas espontaneamente; cada religioso tem a liberdade de, à mesa, privar-se de carne, vinho e alimentos finos; não se farão previsões para além de dois ou três dias, e diariamente se pedirá esmola.

4. Permite-se uma segunda túnica, quando for necessária por causa do frio; o manto somente aos enfermos ou idosos; o hábito será estreito e ajustado; as sandálias são permitidas, como exceção, aos que não podem andar descalços.

5. Não se admitem avalistas ou procuradores. As casas sejam edificadas fora das cidades e continuem sempre como propriedade dos benfeitores; na medida do possível, se construa de vime e barro; as celas sejam tão pequenas e estreitas, que mais pareçam sepulcros. Haja uma ou duas ermidas afastadas do convento para os frades que queiram retirar-se com toda a liberdade para viver em oração e levar vida mais rígida. Em cada casa não haja mais que sete ou oito religiosos; nos conventos mais importantes, dez ou doze, no máximo. As igrejas sejam pequenas e pobres.

6. Os superiores enviem os pregadores, com freqüência, mas estes não aceitem retribuição alguma por seu ministério; a pregação será simples e sincera. Cada pregador não terá mais que um ou dois livros; só é permitido o estudo da Sagrada Escritura e dos autores devotos; ninguém se atreva a construir casas de estudo. Os religiosos atendam confissões somente em caso de extrema necessidade.

Em Albacina Mateus de Bascio, contra a vontade, foi eleito Vigário-Geral, renunciando em seguida, para melhor seguir sua vocação de pregador ambulante. O governo passou para Ludovico de Fossombrone, que era o primeiro definidor. A designação de frades menores de vida eremítica, expressa na Bula de aprovação e adotada no cabeçalho das Constituições de Albacina, não adquiriu carta de confirmação. Quando os reformados apareceram, pela primeira vez, nas ruas de Camerino com o novo hábito e barba longa, os jovens os tomaram por ermitãos errantes e os seguiam gritando: Scapuccini! Scapuccini! Romiti! Romiti! O povo começou a chamá-los por esse apelido, devido ao longo capuz adotado; em seguida, também os escritores e, desde 1534, os documentos pontifícios.

“É difícil separar os nomes de Francisco e Clara. É algo profundo, algo que não pode ser entendido a não ser com critérios de espiritualidade franciscana, cristã, evangélica; não podemos entendê-lo com critérios humanos. O binômio Francisco-Clara é uma realidade que só se entende
com categorias cristãs, espirituais, do céu.”

(João Paulo II – 12 de março de 1982).

1. CLARA DE ASSIS: Por onde passaram os Franciscanos, Santa Clara sempre foi conhecida como uma companheira de São Francisco. Realmente, o estilo de vida de Francisco não poderia ser privilégio dos homens. Muitas mulheres escutavam a sua pregação, observavam o seu estilo de viver o Evangelho e também queriam viver essa experiência. Uma delas foi Clara de Assis.

Clara nasceu em 1194 em Assis, filha de Ortolana de Fiumi e Faverone Offreduccio de Bernardino, família nobre da cidade de Assis. Recebeu da mãe uma sólida educação religiosa e do pai a personalidade forte.

Clara ouvira falar de Francisco e de seu ideal de vida. De como Francisco abandonara a vida confortável proporcionada pelo negócio rentável do pai, para abraçar uma vida de pobreza e entrega.

Aos 18 anos, Clara ouviu Francisco pregar os sermões da Quaresma na igreja de São Jorge, em Assis. As palavras dele inflamaram tanto seu coração, que o procurou em segredo, pois também ela desejava viver a experiência de pobreza, simplicidade e Amor que Francisco anunciava.

No Domingo de Ramos, dia 19 de março de 1212, Clara participou da missa da manhã já decida de seguir o passos de Jesus Cristo. Não havia meio de sair despercebida do castelo de seus pais, mas encontrou a única saída possível pela porta de trás do palacete: a saída dos mortos. Toda casa medieval tinha esta saída, por onde passava o caixão dos defuntos.

À noite, quando todos dormiam, a nobre jovem Clara de Favarone fugiu de casa por esse buraco, abandonou os muros da cidade e percorreu a estrada até chegar à Porciúncula, onde foi recebida com muita festa pelos irmãos menores.

A “plantinha do Santo Pai”, como seu autodenomina em seu testamento, é venerada como padroeira da devoção à Eucaristia representada em suas imagens pela custódia levada nas mãos. Mas as devoções populares estiveram sempre ligadas aos pedidos de bom tempo, de “tempo claro”. Em 1958, no dia 14 de fevereiro, o Papa Pio XII declarou-a Padroeira da televisão.

2. A DESCOBERTA DAS FONTES: Contudo, pouca gente sabia que essa mulher tinha um valor transcendente, capaz de trazer novidades para o terceiro milênio. Com a celebração do seu centenário de nascimento, em 1993, vieram à luz muitas publicações e, especialmente, pelo menos entre nós, as Fontes Clarianas . É uma preciosa coleção de documentos do século XIII, em sua maioria, desconhecidos até o princípio do século XX, e ignorados em sua totalidade pelo público. Para apresentá-las sucintamente, podemos dizer que as Fontes Clarianas dividem-se em três grandes tipos de documentos: os biográficos, os históricos e, a parte mais preciosa, os escritos da própria Santa Clara. Entre seus escritos destacamos: A Regra (Clara foi a primeira mulher a escrever uma Regra na Igreja), O Testamento (onde faz uma recapitulação de sua vida para ressaltar o dom da vocação e mostrar como as Irmãs deviam seguir o caminho que é Jesus Cristo), a Bênção mas principalmente, as Cartas a Inês de Praga: ela demonstra um carinho surpreendente para com essa princesa que poderia ter sido imperatriz mas preferiu ser Irmã Clarissa. Passa-lhe uma experiência espiritual profunda e riquíssima, firmando os mesmos fundamentos de São Francisco mas de uma maneira bem pessoal e original.

3. A ESPIRITUALIDADE: Santa Clara foi uma verdadeira mestra da vida espiritual. Espiritualidade é uma maneira de viver de acordo com a fé, ou de viver a "vida do espírito". Não é uma ciência nem uma teoria e, por isso, embora trate das coisas de Deus e das coisas da alma, e pressuponha um bom conhecimento vivencial dessas realidades, não se confunde nem com a teologia nem com a psicologia. Para Clara, contemplar é contemplar Jesus. Nós só vemos Deus indiretamente, como em um espelho, e o espelho é Jesus Cristo, Deus feito homem. Nós amamos Deus, a Glória, mas só conseguimos nos entregar ao esplendor da Glória, aos raios de sua Luz que nos atingem - e o esplendor é Jesus Cristo. Da substância divina, nós só conseguimos viver a sua figura, aquilo tudo que chegou a nós em Jesus Cristo. Jesus Cristo é o objeto total de nossa contemplação. Quando contemplamos, o que entra pelos nossos olhos, os olhos do corpo e os olhos do espírito, é Jesus Cristo.

4. RENOVAÇÃO A PARTIR DO FEMININO: Quando lemos Santa Clara, temos, ao mesmo tempo, a sensação de encontrar algo muito antigo e jubilosamente novo. Porque ela diz o mesmo que foi dito por São Francisco, mas de uma maneira pessoal. A gente encontra o mesmo Jesus Cristo Pobre e Crucificado, o mesmo Irmão, o mesmo Esposo, o mesmo Amigo. mas a apresentação é original. Clara ensina a espiritualidade franciscana de um outro ângulo. E essa sua visão feminina chama a nossa atenção porque, neste final de século, todos, homens e mulheres, nos sentimos carentes de um feminino válido e profundo, que a nossa cultura ocidental ignorou, impediu, e parece mesmo ter perdido. Nós nos sentimos isolados pelo individualismo e pelo subjetivismo, somos ilha no meio do povo e da multidão. Quando falamos em povo, não temos mais o calor humano da familiaridade, porque a palavra virou uma expressão fria da ideologia. Como é importante voltar a poder encontrar um povo família, em que nos sintamos alguém! Por isso nos encantamos ao ouvir Clara falando em Jesus Cristo e em nossas mínimas realidades de uma forma tão humana, tão quente, tão feminina. É desse feminino que estamos precisando. Francisco encanta a humanidade por ser um homem que equilibrou o feminino. Clara, por ser uma mulher que equilibra o masculino. Como ele deu ternura à força dos grandes homens, ela deu vigor a sabedoria das mulheres plenas.

Francisco de Assis, um homem todo evangélico

    A vida de São Francisco de Assis foi se projetando sobre os homens de todo o mundo, inquietando grandes e pequenos, sábios e ignorantes, pobres e ricos, homens de vários credos...

    Se nos perguntamos o segredo de Francisco, simplesmente descobriremos que "levou a sério o Evangelho!" Acreditou na Palavra de Cristo! Entrega-se a Deus com uma confiança de criança. Toma o Evangelho em suas mãos, disposto a convertê-lo em prática. Se para conseguir um tesouro no céu deve vender tudo o que tem e dar aos pobres, é o que ele fará. Se diz que tem que deixar a família, Francisco cumpre essa dura exigência sem vacilação... Jamais desanima...

Essa sua conduta diante do difícil, cativa a muitos jovens, porque ele lhes ensina a dar um sentido às dificuldades de cada dia. Esta vivência evangélica possibilita tornar presente o Cristo no dia-a-dia. Toda a sua vida é uma preciosa oferenda que permitirá a Cristo tornar a passar por entre os homens. Oferenda preciosa que também hoje Deus espera de quem sente o desejo de seguir o Cristo e encher o mundo de amor, justiça e paz.

    A Regra Franciscana, podemos dizer, é uma cópia do Evangelho. Tudo o que Cristo diz é possível de se viver. Cristo é a verdade, e seus mandamentos também são a verdade.

À luz de São Francisco precisamos examinar nossa fidelidade ao Evangelho e convertê-lo em norma de nossa vida.

   A primeira coisa que percebemos é que precisamos voltar à SIMPLICIDADE. Complicamos demais nossa vida em uma estúpida correria! É preciso que Francisco volte e nos recorde que a simplicidade podará nos trazer felicidade.

    Precisamos voltar ao AMOR FRATERNAL, dispostos a ver em cada pessoa a imagem de Deus. Uma vida na qual, com sincera humildade, atuemos convencidos de que viemos para servir... Uma vida na qual realmente os pobres sejam os privilegiados.

    Quanta necessidade temos dessa disciplina que leva a NEGAR-NOS a nós mesmos, por amor! Uma negação que não busque aplausos ou condecorações, que não pede nada em troca porque sabe que o prêmio é o próprio Deus.

    E quanta necessidade temos da ORAÇÃO, da meditação, do amor ao silêncio... Apartar-nos do barulho e retirar-nos para a solidão e ali ficarmos a sós com Deus, recebendo a sua Palavra no coração para voltarmos depois com lucidez e continuarmos a encher de luz os caminhos do mundo.

    É necessário voltarmos também à SAGRADA ESCRITURA como fazia Francisco: com a disposição do filho que se acerca para ouvir a sabedoria do Pai e se prepara para obedecer sem condições.

    Para São Francisco, o TRABALHO é fonte de santificação. É bom insistir no amor ao trabalho porque muitos dos males do mundo e de nossa sociedade tem sua origem na ociosidade, na busca fácil e gananciosa de bens, ou no querer explorar e aproveitar-se do trabalho dos irmãos, principalmente dos mais frágeis.

    Como precisamos da PAZ! O Evangelho nos ensina a compreender, a perdoar quantas vezes for necessário. Hoje vivemos sob domínio do egoísmo, da inveja, de rancores, indiferenças, da violência cotidiana, guerras... que geram insegurança e desassossegos.

    Temos necessidade de maior SOLIDARIEDADE. Cristo nos diz que devemos partilhar o que somos e o que temos sem mesquinhez. Se pelo menos fôssemos desapegados, capazes de dar do nosso tempo livre em favor dos mais necessitados, o cristianismo seria verdadeira solução para muitos problemas.

    No projeto de vida de Francisco está incluído um profundo respeito pela IGREJA que tem seu fundamento em Cristo. Ele nos ensina a apartar de nós a critica amarga e destrutiva e a buscar melhores caminhos dentro da Igreja, principalmente pelo testemunho pessoal. Ama a Igreja como Cristo a ama. Sabe que não é perfeita. Sofre com ela, porém confia que em meio a tudo isso está também o bom trigo que cresce.

    A vida de Francisco foi difícil, como foi a vida de todos aqueles que deixaram marcas que fossem luz na Igreja.

    Obedecer à voz do amor divino exigiu dele uma séria ruptura com velhos modelos.

    Mergulhado no mistério do Evangelho, avança sem olhar para trás. Imprime as idéias do Evangelho em sua mente e em seu coração.

    Quando fala aos seus seguidores deixa a sensação de que é Cristo mesmo que volta a falar aos homens.

    Finalmente São Francisco leva a ver Deus em todas as CRIATURAS.

    Descobre uma mensagem divina em cada partícula da criação.

    Vai passando pela terra extasiado. Vê Deus em cada detalhe da natureza, e canta:

    "Louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas.."

O testemunho de Francisco é um canto de esperança no decorrer dos séculos. Sua vida está nos dizendo que é possível viver o Evangelho até as últimas conseqüências, não por nossas próprias forças, mas mediante esta imersão no coração de Deus que nos leva a dizer como São Paulo: "Já não sou eu quem vive; é Cristo que vive em mim".

São Francisco vive assim, obedecendo a Deus, confiando Nele, amando-o. Sabe olhar para além dos sentidos corporais e descobre as riquezas de Deus que lhe chama a atenção, de tal forma que deixa tudo para segui-lo inteiramente.

A Vocação na Bíblia

Quando falamos de vocação, logo fazemos associação com a idéia de profissão. Na verdade, podem as duas idéias se complementam.
Profissão tem a ver com ofício, com o realizar algo, sobretudo para garantir a manutenção econômica de uma pessoa ou família. Porém isso não significa que alguém seja um profissional apenas pela necessidade financeira. É preciso, portanto, ter aptidões para se exercer uma atividade e, principalmente, amar o que se faz.
Já o termo vocação, que tem origem latina no verbo vocare (chamar, em português), está intimamente relacionado com a experiência religiosa humana e, de modo especial, no âmbito judaico-cristão.
E quem nos confirma isso é a Sagrada Escritura, na qual vocação se entende por um chamado que Deus faz a alguém -- e até mesmo a um povo -- para dar sua contribuição peculiar na história da salvação.
Assim, quando Deus “sonha” conosco, ele nos chama à vida para que façamos experiência de seu amor e de seus mistérios. E isso se realiza de modo concreto e pessoal, porque toda vocação é uma história singular, aos olhos do Criador, daquilo que cada um é em sua essência e de tudo o que constrói também em comunhão com o outro à luz da palavra do Senhor, que é a manifestação de Deus, além de nos tocar e requerer que façamos uma opção clara e objetiva por ele.
Toda a história bíblica está repleta de testemunhos vocacionais para nós a fim de que sejamos de fato fraternos e tornemo-nos verdadeiramente filhos de Deus.
Dentre vários, agora podemos elencar, então, alguns deles:
1. Abraão e Sara: é um casal vocacionado a construir um povo (cf. Gn 12,1-9) a partir de sua identidade. Sua vocação está voltada para uma nação, uma terra, e exige uma postura de profunda confiança em Deus;
2. Moisés: ainda bebê, foi salvo das águas para servir a Deus como libertador do povo hebreu (cf. Êx 3,1-11) e também levar até ele a palavra de Javé;
3. Samuel: foi vocacionado para que fosse mediador entre Deus e o povo (cf. 1Sm 3,1-19) pela prática da justiça e da oração;
4. Jeremias: foi alguém com muito medo, mas soube responder ao chamado de Deus (cf. Jr 1,4-10) com consciência do que deveria realizar (cf. Jr 1,17-19);
5. João Batista: a ele coube a missão de anunciar a vinda do Messias (cf. Lc 1,5-22), pois havia séculos que a “figura” do profeta desaparecera em Israel, e muitos acorriam a ele (cf. Mt 3,5);
6. Maria: com vocação para ser Mãe de Deus (cf. Lc 1,26-38), ela confiou e aceitou a missão sem compreender o propósito de Deus;
7. Jesus: em poucas palavras, dizemos que ele é a síntese da vocação profética, ou melhor, é o “Ungido do Senhor” (cf. Jo 1,35-39; Lc 6,12-16; Mc 1,17-20);
8. Os Apóstolos: tinham por vocação pregar os ensinamentos de Jesus e de serem “pescadores de homens”, com o compromisso de adesão pessoal ao Mestre.
Assim, concluímos que a vocação é a resposta do ser humano que tem fé ao Pai de misericórdia, pois “nós cremos no amor de Deus” (Deus Caritas Est n.° 1), o qual nos chamou à existência e nos constituiu seus colaboradores na obra da criação.

Frei Marcos Roberto Rocha de Carvalho, OFMCap