domingo, 28 de março de 2010

Vocação: resposta do coração


Algumas perguntas pertinentes a nossa vocação são feitas por nós a cada instante, outrora não mereceríamos ser chamados a tal caminho. Questionar significa realmente assumir a vocação.

A língua latina e a teoria da comunicação neste caso podem ajudar-nos à compreensão. Vocação vem do latim vocare que significa chamar. O chamado somente acontece quando o receptor ouve a voz do emissor. Quando ansiamos à vida religiosa, primeiramente pressupomos que a mensagem divina foi comunicada a nós e o exercício de questionar implica abrirmos nossos ouvidos à espera da voz de Deus.

Enquanto criança o homem encontra nos pais a fonte primária do saber. É perguntando que ela descobre o mundo, logo quando maior, sua independência acarretará outra visão das coisas. Diante da vida religiosa, temos que nos comportar como homens conscientes, não mais inocentes enquanto condicionados.

O sujeito que questiona deve ir bem mais além de sua pergunta, deve também dar uma resposta, pois a resposta de sua instigação não pode parar na experiência do outro, ela deve ser própria. A partir do momento que consigo uma reposta para as minhas perguntas, preciso saber responder também, mas agora de um modo coerentemente particular.

Nas Constituições da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos podemos encontrar uma exortação à resposta pessoal ao chamado de Deus:

Deus, em sua bondade, chama todos os fiéis na Igreja para a perfeição da caridade em diversos estados de vida, promovendo assim a santidade de cada um e a salvação do mundo. A essa vocação cada um deve dar uma resposta de amor com a maior liberdade, conciliando a liberdade da pessoa humana com a vontade de Deus. Alegremo-nos com gratidão pela graça especial da vocação que nos foi concedida por Deus. Correspondendo a essa vocação capuchinha, demos um testemunho público e social da vida de Cristo, que já é presente e é eterna; seguimos o Cristo pobre e humilde; difundimos o seu anúncio por toda parte, a todos os homens, principalmente aos pobres. Assim, numa fraternidade de peregrinos, que fazem penitência de coração e de fato, servindo a todos os homens em espírito de minoridade e alegra, dedicamo-nos à missão salvadora da Igreja (...). Abraçando essa vida, os candidatos prestam um verdadeiro serviço a Deus e aos homens e desenvolvem a própria personalidade. Para podermos dar um testemunho claro dessa nossa vida, precisamos renovar-nos continuamente (...) (Cap. 2, art.1, negrito nosso)¹.

Dar uma resposta de amor a um chamado de amor é nossa missão. Como os profetas e santos, podemos questionar porque nós, justo nós, pois há tantas pessoas que julgamos serem melhores. Quando Deus nos chama está depositando em nós sua credibilidade e força.

Quem chama sabe que não está privado de questionamentos e sabe também que sem tal atitude reflexiva o objetivo a que chama pode falhar. No caso do não êxito de quem seria o dano? Procuremos não pensar em prejuízos, pois quando Deus chama alguém o quer bem. Quem responde, pode fazer assim de diversas maneiras, qualitativamente ou não, sua resposta precisa revelar o que é até o determinado momento o verdadeiro, pois somente assim, outras respostas ainda melhores poderão surgir.

Procuremos a exemplo de nosso Seráfico Pai Francisco a conversão diária e a luz para termos claras respostas. Inspirados no santo de Assis façamos a experiência da Cruz de São Damião, ela aponta a luz tão necessária para o discernimento vocacional.

Altíssimo glorioso Deus, ilumina as trevas do meu coração.
Dá-me uma fé direita, esperança certa e caridade perfeita,
sentido e conhecimento, Senhor, para que faça vosso santo
e verdadeiro mandamento. Amém.


André Luiz Carniello, Postulante Capuchinho do 2º. ano

segunda-feira, 22 de março de 2010

Dia Mundial da Água

l


Bom Dia,
Com Paz e Alegria!

Em Dia Mundial da Água,
cantamos com Francisco de Assis:


«Louvado sejas, meu Senhor,
pela nossa irmã água,
que é tão útil e humilde
e preciosa e casta».





Pela irmã água do seio materno,
que amorosamente nos envolve e acompanha
em nossa gestação e crescimento;

Pela irmã água da chuva,
ora serena ora violenta e arrasadora,
a lavar cidades e aldeias;

Pela irmã água do mar imenso e majestoso,
a desafiar-nos ao lazer e ao convívio
e aos desportos radicais
e a sulcar horizontes de profundidade e de universalidade;

Pela irmã água dos rios
que serpenteiam montanhas e vales,
a irrigar campos e sementeiras;

Pela irmã água das torneiras e dos chuveiros
que em cada manhã nos desperta
para a vida e para a missão;


Pela irmã e mãe água do Batismo,
que nos traz vida nova, nova esperança
e novo compromisso na construção da Cidade
onde habita a Paz e o Bem:
Louvado sejas, meu Senhor!

Abraço fraterno de Paz e Bem,



Frei Acílio


sábado, 20 de março de 2010

Tanto Deus amou o mundo

Ao meditarmos as leituras do Tríduo Pascal, percebemos o sentimento tão humano que se tornou divino e tão divino que se tornou humano: o amor.

Os relatos da Paixão nos remetem aos primeiros dias da Igreja. São as primeiras partes do Evangelho que se formaram na tradição oral e que circulavam entre os cristãos. Nessa fase dominavam os fatos; tudo se resume em dois eventos: morreu – ressuscitou. A fase do simples fato foi, porém, bem cedo superada. Os fiéis se colocaram de imediato a perguntar sobre o significado daqueles fatos, isto é, sobre o porquê da Paixão: “Por que Deus sofreu?” A resposta foi: “Porque Deus nos ama”. Nasce deste modo a fé pascal, expressa na seguinte proposição: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos a vida por meio dele ” (1 Jo 4, 9).

Existiam assim os fatos e também o significado para nós dos fatos. A resposta parecia completa, história e fé formavam finalmente um único mistério pascal. Todavia não atingira ainda o fundo verdadeiro do problema; a pergunta permanecia de uma outra forma: E por que morreu pelos nossos pecados? A resposta que iluminou a Igreja foi: porque nos amava. “Amou-nos e deu-se a si mesmo por nós (Ef 5,2); Amou-me e deu a si mesmo por mim (Gl 2,20); Amou a Igreja e deu a si mesmo por ela ” (Ef 5,25). O evangelista São João, que escreveu depois dos outros, atribui esta revelação ao próprio Jesus terreno quando disse: “Ninguém tem um amor maior do que este: dar a vida pelos próprios amigos. Vós sois meus amigos” (Jo 15,13-14).

Jesus, ao morrer por livre vontade, quis com isso restaurar a beleza original que fora corrompida pelo primeiro pecado, quando nosso primeiro pai, Adão, almejou a divindade de Deus. Assim como no paraíso, o homem comeu o fruto proibido da árvore querendo ser Deus. De tal modo, Jesus Cristo, experimentando a árvore da cruz, assume a humilhação humana e “querendo” deixar de ser Deus, experimenta o caminho do abandono e, por isso, no alto da cruz ele brada: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?” (Sl 22,1).

Com Jesus, Deus não nos fala mais de longe, por meio de intermediários, fala-nos de perto e fala-nos em pessoa, por dentro da nossa condição humana, depois de ter saboreado até ao fundo o sofrimento. O amor se fez carne e veio habitar em nós! Já há quem lia assim Jo 1,14.

O seu amor se fez amizade: “não vos chamei mais servos, mas vos chamei amigos” (Jo 15,15), mas não para aqui; ele chega a uma identificação com o homem, para o qual não bastam mais analogias humanas nem mesmo aquela da mãe, do pai ou do esposo: “Permanecei em mim –diz – e eu em vós” (Jo 15,4).

Finalmente a prova suprema deste amor pode ser sintetizada assim: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1), isto é, até o extremo limite do amor. Duas coisas revelam o amante verdadeiro e o fazem triunfar, a saber: a primeira consiste em fazer o bem ao amado; a segunda, de longe muito superior, consiste no sofrer por ele. Por isso, para dar-nos a prova de seu grande amor, Deus inventa o seu próprio aniquilamento (Kenosis), realiza-o e faz de modo a se tornar capaz de sofrer coisas terríveis. Assim, tudo aquilo suporta, Deus convence os homens do seu extraordinário amor por eles e os atrai novamente a si, eles que fugiram do Senhor bom, crendo ser odiados por ele. Jesus repete a nós aquilo que disse um dia a uma santa: “Não te amei por brincadeira” (Ângela de Foligno).

Para saber quanto Deus nos ama, temos agora um meio simples e seguro: olhar quanto sofreu! Não só no corpo, mas sobretudo na alma, porque a verdadeira Paixão de Jesus é aquela que não se vê e que o faz exclamar no Getsêmani: “A minh’ alma está triste até a morte” (Mc 14, 34). Jesus morreu no seu coração, antes que no seu corpo. Quem pode penetrar o abandono, a tristeza, a angustia d’ alma de Cristo e sentir-se tornado “todo pecado”, Ele o inocentíssimo Filho do Pai? Com razão, a liturgia da Sexta-feira Santa pôs nos lábios de Cristo na cruz aquelas palavras de lamentação: “Povo que ti fiz eu, em que foi que te contristei? Por que a morte me levaste entregando o próprio rei?”

É pensando nesse momento que foram ditas aquelas palavras: “Assim Deus amou o mundo” (Jo 3,16). No início de seu Evangelho João exclama: “Vimos sua glória!” (Jo 1,14). Ao perguntarmos onde ele viu sua glória, a sua resposta seria: “Sobre a cruz vi sua glória!” Porque a glória de Deus está em ter escondido a sua glória para nós, em ter nos amado até o fim. Esta é a glória maior que Deus tem fora de si mesmo, fora da Trindade. Maior de ter nos criado e ter criado o universo. Agora que está à direita do Pai na glória, o corpo de Cristo não conserva mais os sinais e as características da sua condição mortal, pois seu corpo fora divinizado. Uma coisa, porém, permanece ciosamente e mostra a toda corte celeste: “O AMOR É FORTE COMO A MORTE” (Ct8, 6).

Ramires James Moscardo, postulante Capuchinho - Piracicaba - SP





quinta-feira, 18 de março de 2010

Uma voz que grita, seu sangue é nossa bebida

São Romero da América, Pastor e Mártir”

“Se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho”

Vou arriscar-me a escrever algumas linhas sobre o nosso São Romero da América, não sei se conseguirei, pois se trata de uma singular grandeza a vida desse bispo, profeta e mártir de nosso povo, de nossa alma.

Estamos celebrando nesse mês o Jubileu de seu martírio. Dias antes de ser assassinado enquanto erguia o cálice com o sangue do Mártir Maior, Jesus Cristo, d. Romero sentenciava: “O martírio é uma graça de Deus que não creio merecer, porém, se Deus aceita o sacrifício de minha vida, que meu sangue, então, seja semente de liberdade e sinal de que a esperança será logo uma realidade”.

Desde as comunidades primitivas, o sangue dos mártires são sementes de liberdade que atualizam a paixão de Cristo. Os mártires trazem a palma da vitória na mão e nos oferecem o sangue no cálice de que todos nós devemos beber.

Lembrar de nossos mártires é lembrar o perfume que emana de sua profecia. O Reino está entre nós. Ser mártir por causa do Reino é uma graça que poucos mereceram. A memória do martírio é uma memória subversiva já nos lembra o bispo de São Felix do Araguaia.

Apesar das contradições de nossa história, d. Romero segue ressuscitando a vida de seu povo - de nosso povo - Latino Americano. No início de seu ministério episcopal, d. Romero assume uma linha conservadora de pastoral. Após sua nomeação de Arcebispo de El Salvador nosso mártir inicia seu processo de “conversão”. Passa categoricamente a defender os pobres, num diálogo ecumênico e universal.

“Tudo é graça, tudo é Páscoa”. Jubileu é tempo de renovação, de buscarmos o espírito crítico, criativo e cuidador como nos aponta Leonardo Boff. Jubileu é momento impar de renovação. Precisamos acender a lâmpada de nossa esperança.

Em nosso país estamos vivendo a Campanha da Fraternidade, que nesse ano é Ecumênica. Lembramo-nos a palavra ardente de Jesus: “vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”. São Romero nos aponta a uma santidade tão mística quanto política. Precisamos vencer essa “gangue monstruosa que é o capitalismo neoliberal”, e servirmos a Deus no próximo. Só assim, então, poderemos construir o “outro mundo possível”, onde a economia está a serviço da vida.

Num dado momento de sua entrega d. Romero não fora compreendido pelos seus irmãos de “báculo e de mesa”. Será que alguma sinagoga bem montada e estruturada pode compreender o Cristo? Não sei. O que sei é que d. Romero se manteve fiel no seguimento de Jesus, Reino adentro. Seu sangue é semente de vida a brotar em nossa vida de paixão e morte. Morte e Ressurreição no Reino futuro.

Quero terminar essa memória, lembrando uma poesia feita pelo nosso querido irmão d. Pedro Casaldáliga que com o irmão Parkinson louva e agradece a Deus pela vida de São Oscar da America Latina:

“Estamos outra vez em pé de testemunho,
São Romero de América, pastor e mártir nosso!
Romero de uma paz quase impossível nesta terra em guerra.
Romero em flor morada da esperança incólume de todo o Continente.
Romero da Páscoa latino-americana.
Pobre pastor glorioso, assassinado a soldo, a dólar, a divisa
O Povo te fez santo.
A hora do teu Povo te consagrou no kairós.
Os pobres te ensinaram a ler o Evangelho.
São Romero de América, pastor e mártir nosso:
ninguém há de calar tua última homilia”! Amém.

Leandro Longo, postulante capuchinho - Piracibaba - SP