sexta-feira, 24 de junho de 2011

TESTEMUNHAS DE TESTEMUNHAS

Por ocasião da Romaria dos Mártires no mês de julho, dias 16 e 17, em Ribeirão Cascalheira, MT, publicamos aqui um texto de Pedro Casaldáliga recentemente publicado no boletim Alvorada da Prelazia de São Félix do Araguaia.

Eis o texto.
O tema-lema da nossa Romaria dos Mártires deste ano de 2011 é TESTEMUNHAS DO REINO. O título mais abrangente e mais profundo que se podia escolher para uma romaria martirial. Dar a vida dando testemunho do Deus da Vida, da Paz, do Amor. Todos aqueles e aquelas que vão doando a sua vida, no dia a dia e a dão ‘de um golpe’, na hora final da sua caminhada, são testemunhas do projeto de Deus para a Humanidade, para o Universo; respondem com o que têm de melhor ao sonho de Deus, ao Reino, ao Reino de Deus.
Com essa duas palavras –«Testemunhas do Reino»– sintetizamos tudo o que se possa dizer de uma vida doada, de uma morte vivida. Na visão cristã mais tradicional essa morte é vivida pela Fe cristã. Os mártires que a Igreja reconhece oficialmente são mártires da Fé, da Moral cristã, do Evangelho, explicitamente: missioneiros tal vez, vítimas da caridade heróica, virgens radicalmente fieis ao divino Esposo. Numa visão cristã renovada, mais profunda, mais consoante com a Palavra e com a Vida, com a Morte e a Ressurreição de Jesus, são mártires todos aqueles e aquelas que dão sua vida na morte pelas causas do Reino, pela justiça, pela paz, pela solidariedade, pela ecologia, pela verdadeira promoção do próximo marginalizado. Jesus no Evangelho os define categoricamente: a prova maior do amor é dar a vida por amor. Nosso padre João Bosco deu a vida como missionário entre indígenas e camponeses e deu a vida para libertar a duas mulheres submetidas à tortura.
Nestes dias é notícia, pelo menos nos meios de comunicação mais ao serviço do povo, a morte matada, no Sul do Pará, de um casal de militantes no serviço da Natureza, Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo. Depois de Chico Mendes e da irmã Dorothy, mais dois ambientalistas são assassinados no Sul do Pará. Tristemente no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados aprova o sinistro Novo Código Florestal, que legalizará o desmatamento, anistiando os crimes dos madeireiros. Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo são dois novos mártires da floresta.
Ser cristão, cristã, é dar testemunho; responder com a própria vida aos apelos do Reino e contestar profeticamente à iniqüidade do antireino. Responder diariamente, com fidelidade, ao Amor de Deus no serviço fraterno. É ser coerente, com a palavra feita anúncio e com o anúncio feito prática. É ser testemunha, em primeiro lugar, da suprema testemunha, Jesus de Nazaré, proclamado no Apocalipse como «A Testemunha fiel». Ele veio para fazer a vontade do Pai, testemunhando radicalmente o amor de Deus. Ele veio para que todos tenhamos vida e vida plena. Ele repetiu ante seus perseguidores e todo o povo que suas obras davam testemunho d’ Aquele que o enviou.
É uma corrente de ‘testemunhança’. Jesus dá testemunho do Pai, os mártires dão testemunho de Jesus, nós damos testemunho dos nossos mártires. Somos testemunhas de testemunhas. E celebramos a Romaria dos Mártires da Caminhada, no Santuário de Ribeirão Cascalheira, para manter viva a memória de todos aqueles e aquelas que tombaram gloriosamente, com o testemunho do próprio sangue. Celebramos a Romaria dos Mártires num dia, num lugar, para re-assumir o compromisso de vivermos como testemunhas do Reino, cada dia, e em todo lugar. Para dar testemunho do testemunho de nossos mártires e renovar, com paixão, com radicalidade, com alegria, o nosso seguimento de Jesus, na procura do Reino, na vivência do Reino, na celebração do Reino, na invencível esperança do Reino.
Para a minha ordenação sacerdotal, lá pelos anos de 1952, escolhi como lembrança um santinho com aquela pintura de El Greco que apresenta Jesus olhando para o Pai e entregando-se a seu serviço: Os sacrifícios não te agradaram e eu vim para fazer a tua vontade. No santinho recolhi o versículo 8 do capítulo 1 do livro dos Atos dos Apóstolos, «Vocês serão minhas testemunhas até os confins da Terra».
E de qualquer confim e em toda circunstância seguiremos na caminhada, como testemunhas de testemunhas, como TESTEMUNHAS DO REINO.

Pedro Casaldáliga
26 de maio de 2011

segunda-feira, 20 de junho de 2011

CRISTIANISMO MUMIFICADO, AUSÊNCIA DE PROFETISMO

César Augusto Rocha
Coordenador do Conselho Diocesano de Leigos/as – Diocese de Tianguá/CE

Quando olho para esta crise civilizacional que estamos vivendo e para os sofrimentos que dilaceram a vida de tantos irmãos e irmãs nas periferias deste mundo, percebo o quanto nos distanciamos de nós mesmos e de Deus, razão maior de nossa existência. Trilhamos caminhos tortuosos e obscuros, nos esquecemos daquilo que nos humaniza, deixamos com que as cinzas do materialismo e do consumismo diminuíssem o brilho da centelha divina que ainda fumega em nós(...) Vaidade e presunção pensar que nos bastaríamos e que poderíamos alcançar a felicidade as custas da dor e da miséria de tantos. Se nós pudéssemos sentir, viver mesmo que por alguns instantes, as mesmas amarguras daqueles que vivem nos porões da humanidade, talvez entenderíamos que o essencial da fé cristã não é a observância cega de preceitos e ritos, mas a capacidade de amar o outro como Cristo amou e ser na vida dele um sinal de Ressurreição.
Burocratizamos e mumificamos de tal maneira nossa vida cristã que acabamos perdendo a espontaneidade própria dos filhos de Deus, a admiração e o enamoramento daqueles que se apaixonam por um nobre ideal. A evangelização precisa estar impregnada de paixão pelos valores do Reino, de fascínio e encantamento pelo projeto libertador de Jesus Cristo, daquela perfeita alegria descrita de maneira tão profunda por São Francisco de Assis. Esse encontro de amor com Deus, São João da Cruz descreveu de forma cristalina em seu cântico espiritual:
"Mostra a tua presença! Mata-me a tua vista e formosura;
olha que a doença de amor não se cura
senão com a presença e a figura".
A indiferença para com as minorias distorce o verdadeiro sentido da evangelização, é transformar o Evangelho e a mensagem de Jesus num grande "faz de conta". Quando agimos assim, sepultamos o Deus vivo e transformamos o nosso batismo num mero ritualismo inexpressivo. O emudecimento de alguns movimentos da Igreja, por exemplo, diante da horrenda desumanidade que grassa nesta sociedade é algo execrável e vergonhoso. Quem tem ouvidos, ouça! É hora de reavivar a nossa experiência com Deus, reacender a luz inconfundível de Cristo que ilumina a escuridão do nosso individualismo e romper com a visão míope que temos sobre a nossa atuação na sociedade.
Em vez de burocratas do sagrado, precisamos de homens e mulheres capazes de escutar os clamores de seu povo e agir em favor dele. Os leigos e leigas devem almejar essa maturidade na fé, romper com todo modelo eclesiológico piramidal que ainda persiste em algumas paróquias e comunidades para viverem plenamente a sua vocação e identidade eclesial. Precisamos transcender a nossa visão a respeito de Cristo, nos esforçarmos para compreendermos as suas escolhas, os seus conflitos e opções. Só assim, poderemos repetir com convicção as palavras do apóstolo Paulo: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gal 2, 20).

segunda-feira, 13 de junho de 2011

SUSTENTABILIDADE: ADJETIVO OU SUBSTANTIVO ?

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor


É de bom tom hoje falar de sustentabilidade. Ela serve de etiqueta de garantia de que a empresa, ao produzir, está respeitando o meio ambiente. Atrás desta palavra se escondem algumas verdades mas também muitos engodos. De modo geral, ela é usada como adjetivo e não como substantivo.
Explico-me: como adjetivo é agregada a qualquer coisa sem mudar a natureza da coisa. Exemplo: posso diminuir a poluição química de uma fábrica, colocando filtros melhores em suas chaminés que vomitam gases. Mas a maneira com que a empresa se relaciona com a natureza donde tira os materiais para a produção, não muda; ela continua devastando; a preocupação não é com o meio ambiente mas com o lucro e com a competição que tem que ser garantida. Portanto, a sustentabilidade é apenas de acomodação e não de mudança; é adjetiva, não substantiva.
Sustentabilidade, como substantivo, exige uma mudança de relação para com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade. A Terra está viva e nós somos sua porção consciente e inteligente. Não estamos fora e acima dela como quem domina, mas dentro como quem cuida, aproveitando de seus bens mas respeitando seus limites. Há interação entre ser humano e natureza. Se poluo o ar, acabo adoecendo e reforço o efeito estufa donde se deriva o aquecimento global. Se recupero a mata ciliar do rio, preservo as águas, aumento seu volume e melhoro minha qualidade de vida, dos pássaros e dos insetos que polinizam as árvores frutíferas e as flores do jardim.
Sustentabilidade, como substantivo, acontece quando nos fazemos responsáveis pela preservação da vitalidade e da integridade dos ecossistemas. Devido à abusiva exploração de seus bens e serviços, tocamos nos limites da Terra. Ela não consegue, na ordem de 30%, recompor o que lhe foi tirado e roubado. A Terra está ficando, cada vez mais pobre: de florestas, de águas, de solos férteis, de ar limpo e de biodiversidade. E o que é mais grave: mais empobrecida de gente com solidariedade, com compaixão, com respeito, com cuidado e com amor para com os diferentes. Quando isso vai parar?
A sustentabilidade, como substantivo, é alcançada no dia em que mudarmos nossa maneira de habitar a Terra, nossa Grande Mãe, de produzir, de distribuir, de consumir e de tratar os dejetos. Nosso sistema de vida está morrendo, sem capacidade de resolver os problemas que criou. Pior, ele nos está matando e ameaçando todo o sistema de vida.
Temos que reinventar um novo modo de estar no mundo com os outros, com a natureza, com a Terra e com a Última Realidade. Aprender a ser mais com menos e a satisfazer nossas necessidades com sentido de solidariedade para com os milhões que passam fome e com o futuro de nossos filhos e netos. Ou mudamos, ou vamos ao encontro de previsíveis tragédias ecológicas e humanitárias.
Quando aqueles que controlam as finanças e os destinos dos povos se reúnem, nunca é para discutir o futuro da vida humana e a preservação da Terra. Eles se encontram para tratar de dinheiros, de como salvar o sistema financeiro e especulativo, de como garantir as taxas de juros e os lucros dos bancos. Se falam de aquecimento global e de mudanças climáticas é quase sempre nesta ótica: quanto posso perder com estes fenômenos? Ou então, como posso ganhar comprando ou vendendo bônus de carbono (compro de outros países licença para continuar a poluir)? A sustentabilidade de que falam não é nem adjetiva, nem substantiva. É pura retórica. Esquecem que a Terra pode viver sem nós, como viveu por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela.
Não nos iludamos: as empresas, em sua grande maioria, só assumem a responsabilidade socioambiental na medida em que os ganhos não sejam prejudicados e a competição não seja ameaçada. Portanto, nada de mudanças de rumo, de relação diferente para com a natureza, nada de valores éticos e espirituais. Como disse muito bem o ecólogo social uruguaio E. Gudynas: "a tarefa não é pensar em desenvolvimento alternativo, mas em alternativas de desenvolvimento”.
Chegamos a um ponto em que não temos outra saída senão fazer uma revolução paradigmática, senão seremos vítimas da lógica férrea do Capital que nos poderá levar a um fenomenal impasse civilizatório.

domingo, 12 de junho de 2011

PENTECOSTES


Por Mesters e Orofino

 I - Partilhar nossas experiências e nossos sonhos de comunidade
Vamos meditar sobre a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Nos Atos, além do primeiro Pentecostes, há vários outros pentecostes e pentecostinhos: quando a comunidade está em oração durante a perseguição (At 4,31); quando Pedro acolhe o primeiro não judeu (At 10,44-46); quando se reúnem para enviar os primeiros missionários (At 13,22) etc. Além disso, muitas pessoas aparecem animadas pelo Espírito Santo: Pedro (At 4,8); Estevão (At 6,5); Barnabé (At11,24). O espírito Santo atua em tudo, desde a redação do documento final da Assembléia de Jerusalém (At 15,28) até as coisas mais comuns da vida, como o planejamento do roteiro da viagem dos missionários (At 16,6.7).
            Hoje também acontecem muitos Pentecostes, momentos fortes da caminhada, de tomada de consciência, de luta, de celebração, de descoberta, de testemunho. Tantos momentos! Sempre de novo, sem parar, o Espírito faz nascer e renascer a Igreja e as comunidades! Vejamos:
  • Houve algum fato na vida da sua comunidade, em que vocês reconheceram a presença e a ação do Espírito Santo? Conte.
  • Já aconteceu alguma vez algo assim na sua vida pessoal?
  • E na história das Igrejas do Brasil e da América Latina, houve algum Pentecostes? Qual?
II - Escutar a partilha da comunidade dos primeiros cristãos.
1 - Vamos ouvir como Pedro procura dar a explicação correta do acontecimento e como ele revela o apelo de Deus. Vamos prestar atenção no seguinte: quais as várias formas ou símbolos com que o Espírito Santo se manifesta?
2 - a leitura do texto: Atos 2, 1-24 - pode ser dividida, partilhada.
3 - momento de silêncio.
4 - Perguntas para refletir e partilhar: 
  • Qual o ponto desse texto que você mais gostou ou que mais chamou a sua atenção? Por quê?
  • Quais são, um depois do outro, os vários assuntos abordados neste texto? Sobretudo, quais os assuntos abordados por Pedro no seu discurso?
  • Quais as várias formas ou símbolos em que o Espírito Santo se manifesta? Qual o significado de cada símbolo?
  • Como o povo reage frente à ação do Espírito Santo? Como Pedro ajuda o povo a superar a interpretação errada que alguns deram ao fato?
  • Como este texto pode ajudar-nos hoje a perceber a verdadeira ação do Espírito Santo na vida e na história de nossas comunidades?
 III - Transformar em oração o que partilhamos entre nós.
Comentando: "no início do evangelho, Lucas descreve como Jesus nasce pela ação do Espírito Santo. No início dos Atos, como a Comunidade nasce pela ação do Espírito Santo. No dia de Pentecostes, o Espírito inaugurou a nova humanidade (At 2,4.33; 4,31) A partir deste momento, é o Espírito de Jesus que vai animar a vida e a história das comunidades. Ele dirige todos os seus passos, transformou os apóstolos... está presente nas comunidades... traz alegria, consolação, fortaleza, discernimento etc... sua ação está encarnada em ações ordinárias, comuns da vida humana: falar, rezar, cantar, criticar, decidir, crescer, anunciar, servir etc. Manifesta-se nas iniciativas e testemunhos da comunidade, nas celebrações da Palavra e dos Sacramentos, nas lutas das pessoas pelo bem dos outros, nas reuniões, nos encontros, nos conflitos, nas descobertas..."    
  • Celebrar, se desejar, com canto e oração espontânea.
  • Agradecer, encerrar com o Pai-Nosso.
  • Cantos à vontade