quarta-feira, 29 de junho de 2011

UMA NOVA HISTÓRIA PARA EXISTÊNCIA HISTÓRICA DE ADÃO E EVA

Marcio Campos, é jornalista e editor do jornal Gazeta do Povo, em Curitiba,onde mantém o blog Tubo de Ensaio

Um tema controverso nas discussões sobre a compatibilidade entre o Cristianismo e a teoria da evolução proposta por Charles Darwin é a questão da existência história de Adão e Eva como um casal real. Na Igreja Católica, a partir do momento em que o Concílio Vaticano II, na constituição dogmática Dei Verbum, mencionou a necessidade de considerar os "gêneros literários" na interpretação das Escrituras, muitos teólogos e padres viram (incorretamente) no texto uma carta branca para afirmar que muita coisa na Bíblia era metáfora. Essa tendência de considerar tudo como metáfora atingiu especialmente a interpretação do Gênesis. Afinal, se a criação do mundo em seis dias era uma alegoria, por que a história de Adão e Eva também não o seria?

Reprodução
Reprodução / Adão e Eva era um tema recorrente do pintor Lucas Cranach. E o pecado original é justamente o ponto mais difícil de conciliar com a possibilidade de uma multidão de Adão e Eva era um tema recorrente do pintor Lucas Cranach. E o pecado original é justamente o ponto mais difícil de conciliar com a possibilidade de uma multidão de "primeiros pais".
No entanto, o último documento do Magistério a mencionar a origem do homem de uma forma mais explícita é a encíclica Humani Generis, de Pio XII, escrita em 1950. No texto, o Papa não se opõe às pesquisas sobre o evolucionismo, mas afirma que "os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais" (n. 37). Assim, Pio XII condena o poligenismo (a tese de que Adão e Eva fossem figuras simbólicas que representavam o primeiro grupo de seres humanos), favorecendo o monogenismo (a tese de que Adão e Eva eram um primeiro casal real).
Segundo Pio XII, o poligenismo traz um problema teológico: como ele seria compatível com o pecado original? Se Adão e Eva não existiram realmente, se havia um primeiro grupo com dezenas ou centenas de seres humanos, todos eles precisariam ter desobedecido a Deus, mas como ter certeza de que isso realmente aconteceu? Desde então, a Igreja não voltou a tratar do assunto. Mesmo o Catecismo da Igreja Católica, em seu capítulo sobre a criação do homem, parece favorecer a interpretação de que Adão e Eva foram um primeiro casal com existência real.
O problema é que as evidências biológicas tornam um pouco forçado imaginar que a espécie humana, depois de evoluir de um ancestral comum a outros primatas, tenha surgido apenas com um único primeiro casal. No entanto, o diretor do Instituto Faraday para Ciência e Religião da Universidade de Cambridge (Inglaterra), Denis Alexander, acredita ter encontrado uma solução satisfatória. Alexander é biólogo molecular e publicou, no início do ano, um texto sobre as implicações teológicas de a humanidade não descender apenas de um primeiro casal.
No início do artigo, o autor, que é protestante, oferece dados científicos sobre o surgimento dos humanos modernos na África e analisa a terminologia hebraica usada para designar o primeiro homem no Gênesis. Depois, ele apresenta um primeiro modelo de interpretação, segundo o qual o relato da criação do homem descreve um processo em que um grupo de humanos passa a tomar consciência da existência de um Criador, mas também passa gradativamente a desobedecê-Lo. Mas esse processo seria descrito usando um primeiro casal porque era a maneira mais fácil de fazer o leitor antigo entender o que havia acontecido. Alexander diz que o modelo até pode ser aplicado a acontecimentos ocorridos bem no início da espécie humana, quando havia apenas poucas centenas de casais significado que todos tivessem pecado – seria a interpretação mais adequada do ponto de vista do "poligenismo monofiletista", defendido pelo falecido teólogo católico dom Estêvão Bettencourt, e que propunha um grupo inicial de vários casais, oriundos de um mesmo tronco evolutivo, e coesos, não dispersos. Mas o biólogo afirma que este modelo tem suas dificuldades, inclusive de conciliação com outros trechos da Escritura.
Por causa dessas dificuldades, Alexander propõe um segundo modelo. Nesta hipótese, Deus pode ter escolhido um casal real que viveu no Oriente Médio no período neolítico (que vai de cerca de 10000 antes de Cristo a 3000 antes de Cristo) para Se revelar de uma forma especial, e criar com esse primeiro casal uma relação especial. Esse casal, assim, passou a ter um conhecimento particular sobre Deus, tornando-se espiritualmente vivo de uma forma diversa dos demais humanos que existiam então, dando origem ao que depois se transformaria na fé judaica (ainda que pudessem existir rudimentos de espiritualidade entre os demais contemporâneos deste primeiro casal). Neste modelo, que chama de Homo divinus (obviamente não estamos falando de uma classificação taxonômica, e de algo mais semelhante ao Homo economicus ou ao Homo ludens) Alexander interpreta a afirmação de Adão sobre Eva ("ossos dos meus ossos e carne da minha carne") não como o reconhecimento de que ela era um humano como ele, já que havia vários assim; mas de que ela compartilhava da mesma crença que ele – então, eles compartilhavam algo mais do que apenas a semelhança física.
Esse modelo parece tentador, já que defende a historicidade de Adão e Eva, mas também tem seus problemas. O biólogo afirma que nesta época a população humana variava de 1 milhão a 10 milhões, o que levanta questões sobre o Pecado Original. Alexander contorna o problema dizendo que, ao se revelar ao primeiro casal, Deus fez deles os chefes do gênero humano e, portanto, o pecado cometido por esse casal afetaria todos os demais, como uma "bomba atômica espiritual", que explode em um ponto específico, mas contamina tudo o que está em volta. Com isso, toda a humanidade estaria manchada pelo pecado. O próprio Alexander admite que há um conflito entre este modelo e o que São Paulo escreve na Carta aos Romanos (5,12), e a teoria também não é compatível com a noção de Santo Agostinho sobre a transmissão do pecado original; Alexander termina afirmando que nenhum dos dois modelos deve ser considerado como obra acabada; eles podem e devem continuar sendo discutidos e aperfeiçoados.
Décadas antes de se tornar Papa Bento XVI, Joseph Ratzinger se debruçou sobre a questão da criação sob a ótica da evolução em um capítulo de seu livro Dogma e Anúncio. Ele não chega a detalhamentos como os de Denis Alexander, não entra no tema da historicidade do primeiro casal, mas oferece ótimas pistas para que os católicos compreendam o surgimento do homem. "A afirmação de que o homem foi criado por Deus de um modo específico, mais direto do que as coisas da natureza, significa, em expressão um pouco menos figurada, simplesmente que o homem foi querido por Deus de um modo específico: não só como um ser que existe, mas como alguém que conhece a Deus." Para Ratzinger, o que constitui o ser humano é essa capacidade de se relacionar com o Criador. Por isso a ciência até pode dizer quando surgiu o Homo sapiens, biologicamente falando, mas não pode fixar "o momento da humanização", diz Ratzinger. "A argila se tornou homem no momento em que um ser, pela primeira vez, embora do modo mais imperfeito, pôde formar o pensamento de Deus. O primeiro tu que – por mais balbuciante que tenha sido – foi dito a Deus por boca humana designa o momento no qual o espírito surgiu no mundo", afirma. As reflexões de Alexander e Ratzinger podem ser um bom ponto de partida para que no futuro se chegue a uma compreensão melhor sobre o surgimento do homem.


segunda-feira, 27 de junho de 2011

O padre Georges Lemaître viu bem mais que a teroria do Big Bang


Arquivo Universidade Católica de Louvain
Arquivo Universidade Católica de Louvain / O padre Georges Lemaître, criador da teoria do Big Bang: ele também detectou evidências da expansão do universo, feito hoje atribuído a Edwin Hubble.O padre Georges Lemaître, criador da teoria do Big Bang: ele também detectou evidências da expansão do universo, feito hoje atribuído a Edwin Hubble.
Até bem pouco tempo atrás, fora dos círculos especializados era difícil encontrar quem soubesse que o primeiro a propor a teoria do Big Bang foi um padre: o jesuíta belga Georges Lemaître (1894-1966) – ainda hoje, na verdade, esse não é um fato tão conhecido. Quando muito, ficamos sabendo que Lemaître foi o primeiro a propor, em 1927, o modelo teórico do Big Bang, que seria confirmado dois anos depois pelas observações do norte-americano Edwin Hubble (1889-1953); nas décadas seguintes, outros físicos, como George Gamow, aprofundariam o modelo do Big Bang.
A participação de Hubble na história do Big Bang consistiu em medir as distâncias e velocidades de galáxias; ele verificou que havia uma relação entre essas duas grandezas: quanto mais distante de nós a galáxia, mais rapidamente ela se afastava da Terra, o que levou Hubble a concluir que o universo está em expansão. Daí para comprovar a teoria de Lemaître era um pulo: se as galáxias estavam se afastando umas das outras, era porque um dia estiveram muito juntas. Mesmo assim, levou tempo para que essa se estabelecesse definitivamente como a melhor hipótese para o início do universo: o termo "Big Bang" foi criado 20 anos depois das observações de Hubble, e por um opositor da teoria, o britâico Fred Hoyle. Ele queria ridicularizar a teoria, mas o nome acabou colando.
Hubble é, hoje, bem mais famoso que Lemaître. Mas alguns autores vêm argumentando que o padre belga viu muito mais que apenas a noção do Big Bang: ele teria, dois anos antes de Hubble, os números e observações que comprovariam a expansão do universo, embora hoje o crédito seja todo dado ao norte-americano. O Alexandre Zabot me mostrou um paper de David Block, de uma universidade sul-africana; Block se baseia em um livro de 2009 para mostrar que o artigo original de Lemaître, publicado em francês nos Anais da Sociedade Científica de Bruxelas, foi retalhado ao ser traduzido para o inglês. A publicação em inglês ocorreu em 1931, nos Monthly Notices da Real Sociedade de Astronomia britânica. Segundo Block, a versão em inglês omitiu praticamente toda a parte que menciona as observações de 42 galáxias feitas por Lemaître, chegando ao ponto de recortar uma equação, a 24, na qual se encontraria a primeira "prévia" (digamos assim) do que hoje é conhecido como "constante de Hubble" (que determina a proporção entre a velocidade e a distância de uma galáxia; em outras palavras, o ritmo de expansão do universo): 625 (km/s)/Megaparsec. No seu texto de 1929, Hubble teria chegado a um valor um pouco menor, na casa dos 500 (km/s)/Mpc; nas décadas seguintes, medições mais precisas (e com melhor instrumentação) levaram a constante a valores na casa dos 70 (km/s)/Mpc.
Ou seja, será que a "lei de Hubble" e a "constante de Hubble" não deveriam levar o nome de Lemaître? Em seu paper, Block faz outros comentários sobre Hubble, e menciona um caso em que o norte-americano teria praticamente se apropriado do trabalho de um colega, o britânico John Reynolds, referente a uma classificação de galáxias (outro tema intimamente ligado ao nome de Hubble). No entanto, não é o propósito desse post discutir o caráter do norte-americano. Na melhor das hipóteses, o padre Lemaître e Hubble estariam trabalhando ao mesmo tempo em observações semelhantes (no melhor estilo Darwin e Wallace), e o belga publicou suas conclusões antes. Na pior das hipóteses, realmente houve caso de censura e plágio. Também não se sabe o que motivou o corte deliberado de vários trechos do paper de Lemaître na tradução para o inglês. Mas o que se pretende aqui é ressaltar a grandiosidade do trabalho desse padre-cientista. É uma questão de justiça – ainda mais em 2011, quando se completa o 80.º aniversário da publicação do texto em inglês de Lemaître, esse que foi cortado – mostrar que ele foi muito além daquilo que hoje lhe é atribuído na história da Astronomia.

Enviado por Marcio Antonio Campos, é jornalista e editor da Gazeta do Povo, em Curitiba, onde mantém o Blog Tubo de Ensaio.


sexta-feira, 24 de junho de 2011

TESTEMUNHAS DE TESTEMUNHAS

Por ocasião da Romaria dos Mártires no mês de julho, dias 16 e 17, em Ribeirão Cascalheira, MT, publicamos aqui um texto de Pedro Casaldáliga recentemente publicado no boletim Alvorada da Prelazia de São Félix do Araguaia.

Eis o texto.
O tema-lema da nossa Romaria dos Mártires deste ano de 2011 é TESTEMUNHAS DO REINO. O título mais abrangente e mais profundo que se podia escolher para uma romaria martirial. Dar a vida dando testemunho do Deus da Vida, da Paz, do Amor. Todos aqueles e aquelas que vão doando a sua vida, no dia a dia e a dão ‘de um golpe’, na hora final da sua caminhada, são testemunhas do projeto de Deus para a Humanidade, para o Universo; respondem com o que têm de melhor ao sonho de Deus, ao Reino, ao Reino de Deus.
Com essa duas palavras –«Testemunhas do Reino»– sintetizamos tudo o que se possa dizer de uma vida doada, de uma morte vivida. Na visão cristã mais tradicional essa morte é vivida pela Fe cristã. Os mártires que a Igreja reconhece oficialmente são mártires da Fé, da Moral cristã, do Evangelho, explicitamente: missioneiros tal vez, vítimas da caridade heróica, virgens radicalmente fieis ao divino Esposo. Numa visão cristã renovada, mais profunda, mais consoante com a Palavra e com a Vida, com a Morte e a Ressurreição de Jesus, são mártires todos aqueles e aquelas que dão sua vida na morte pelas causas do Reino, pela justiça, pela paz, pela solidariedade, pela ecologia, pela verdadeira promoção do próximo marginalizado. Jesus no Evangelho os define categoricamente: a prova maior do amor é dar a vida por amor. Nosso padre João Bosco deu a vida como missionário entre indígenas e camponeses e deu a vida para libertar a duas mulheres submetidas à tortura.
Nestes dias é notícia, pelo menos nos meios de comunicação mais ao serviço do povo, a morte matada, no Sul do Pará, de um casal de militantes no serviço da Natureza, Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo. Depois de Chico Mendes e da irmã Dorothy, mais dois ambientalistas são assassinados no Sul do Pará. Tristemente no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados aprova o sinistro Novo Código Florestal, que legalizará o desmatamento, anistiando os crimes dos madeireiros. Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo são dois novos mártires da floresta.
Ser cristão, cristã, é dar testemunho; responder com a própria vida aos apelos do Reino e contestar profeticamente à iniqüidade do antireino. Responder diariamente, com fidelidade, ao Amor de Deus no serviço fraterno. É ser coerente, com a palavra feita anúncio e com o anúncio feito prática. É ser testemunha, em primeiro lugar, da suprema testemunha, Jesus de Nazaré, proclamado no Apocalipse como «A Testemunha fiel». Ele veio para fazer a vontade do Pai, testemunhando radicalmente o amor de Deus. Ele veio para que todos tenhamos vida e vida plena. Ele repetiu ante seus perseguidores e todo o povo que suas obras davam testemunho d’ Aquele que o enviou.
É uma corrente de ‘testemunhança’. Jesus dá testemunho do Pai, os mártires dão testemunho de Jesus, nós damos testemunho dos nossos mártires. Somos testemunhas de testemunhas. E celebramos a Romaria dos Mártires da Caminhada, no Santuário de Ribeirão Cascalheira, para manter viva a memória de todos aqueles e aquelas que tombaram gloriosamente, com o testemunho do próprio sangue. Celebramos a Romaria dos Mártires num dia, num lugar, para re-assumir o compromisso de vivermos como testemunhas do Reino, cada dia, e em todo lugar. Para dar testemunho do testemunho de nossos mártires e renovar, com paixão, com radicalidade, com alegria, o nosso seguimento de Jesus, na procura do Reino, na vivência do Reino, na celebração do Reino, na invencível esperança do Reino.
Para a minha ordenação sacerdotal, lá pelos anos de 1952, escolhi como lembrança um santinho com aquela pintura de El Greco que apresenta Jesus olhando para o Pai e entregando-se a seu serviço: Os sacrifícios não te agradaram e eu vim para fazer a tua vontade. No santinho recolhi o versículo 8 do capítulo 1 do livro dos Atos dos Apóstolos, «Vocês serão minhas testemunhas até os confins da Terra».
E de qualquer confim e em toda circunstância seguiremos na caminhada, como testemunhas de testemunhas, como TESTEMUNHAS DO REINO.

Pedro Casaldáliga
26 de maio de 2011

segunda-feira, 20 de junho de 2011

CRISTIANISMO MUMIFICADO, AUSÊNCIA DE PROFETISMO

César Augusto Rocha
Coordenador do Conselho Diocesano de Leigos/as – Diocese de Tianguá/CE

Quando olho para esta crise civilizacional que estamos vivendo e para os sofrimentos que dilaceram a vida de tantos irmãos e irmãs nas periferias deste mundo, percebo o quanto nos distanciamos de nós mesmos e de Deus, razão maior de nossa existência. Trilhamos caminhos tortuosos e obscuros, nos esquecemos daquilo que nos humaniza, deixamos com que as cinzas do materialismo e do consumismo diminuíssem o brilho da centelha divina que ainda fumega em nós(...) Vaidade e presunção pensar que nos bastaríamos e que poderíamos alcançar a felicidade as custas da dor e da miséria de tantos. Se nós pudéssemos sentir, viver mesmo que por alguns instantes, as mesmas amarguras daqueles que vivem nos porões da humanidade, talvez entenderíamos que o essencial da fé cristã não é a observância cega de preceitos e ritos, mas a capacidade de amar o outro como Cristo amou e ser na vida dele um sinal de Ressurreição.
Burocratizamos e mumificamos de tal maneira nossa vida cristã que acabamos perdendo a espontaneidade própria dos filhos de Deus, a admiração e o enamoramento daqueles que se apaixonam por um nobre ideal. A evangelização precisa estar impregnada de paixão pelos valores do Reino, de fascínio e encantamento pelo projeto libertador de Jesus Cristo, daquela perfeita alegria descrita de maneira tão profunda por São Francisco de Assis. Esse encontro de amor com Deus, São João da Cruz descreveu de forma cristalina em seu cântico espiritual:
"Mostra a tua presença! Mata-me a tua vista e formosura;
olha que a doença de amor não se cura
senão com a presença e a figura".
A indiferença para com as minorias distorce o verdadeiro sentido da evangelização, é transformar o Evangelho e a mensagem de Jesus num grande "faz de conta". Quando agimos assim, sepultamos o Deus vivo e transformamos o nosso batismo num mero ritualismo inexpressivo. O emudecimento de alguns movimentos da Igreja, por exemplo, diante da horrenda desumanidade que grassa nesta sociedade é algo execrável e vergonhoso. Quem tem ouvidos, ouça! É hora de reavivar a nossa experiência com Deus, reacender a luz inconfundível de Cristo que ilumina a escuridão do nosso individualismo e romper com a visão míope que temos sobre a nossa atuação na sociedade.
Em vez de burocratas do sagrado, precisamos de homens e mulheres capazes de escutar os clamores de seu povo e agir em favor dele. Os leigos e leigas devem almejar essa maturidade na fé, romper com todo modelo eclesiológico piramidal que ainda persiste em algumas paróquias e comunidades para viverem plenamente a sua vocação e identidade eclesial. Precisamos transcender a nossa visão a respeito de Cristo, nos esforçarmos para compreendermos as suas escolhas, os seus conflitos e opções. Só assim, poderemos repetir com convicção as palavras do apóstolo Paulo: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gal 2, 20).

segunda-feira, 13 de junho de 2011

SUSTENTABILIDADE: ADJETIVO OU SUBSTANTIVO ?

Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor


É de bom tom hoje falar de sustentabilidade. Ela serve de etiqueta de garantia de que a empresa, ao produzir, está respeitando o meio ambiente. Atrás desta palavra se escondem algumas verdades mas também muitos engodos. De modo geral, ela é usada como adjetivo e não como substantivo.
Explico-me: como adjetivo é agregada a qualquer coisa sem mudar a natureza da coisa. Exemplo: posso diminuir a poluição química de uma fábrica, colocando filtros melhores em suas chaminés que vomitam gases. Mas a maneira com que a empresa se relaciona com a natureza donde tira os materiais para a produção, não muda; ela continua devastando; a preocupação não é com o meio ambiente mas com o lucro e com a competição que tem que ser garantida. Portanto, a sustentabilidade é apenas de acomodação e não de mudança; é adjetiva, não substantiva.
Sustentabilidade, como substantivo, exige uma mudança de relação para com a natureza, a vida e a Terra. A primeira mudança começa com outra visão da realidade. A Terra está viva e nós somos sua porção consciente e inteligente. Não estamos fora e acima dela como quem domina, mas dentro como quem cuida, aproveitando de seus bens mas respeitando seus limites. Há interação entre ser humano e natureza. Se poluo o ar, acabo adoecendo e reforço o efeito estufa donde se deriva o aquecimento global. Se recupero a mata ciliar do rio, preservo as águas, aumento seu volume e melhoro minha qualidade de vida, dos pássaros e dos insetos que polinizam as árvores frutíferas e as flores do jardim.
Sustentabilidade, como substantivo, acontece quando nos fazemos responsáveis pela preservação da vitalidade e da integridade dos ecossistemas. Devido à abusiva exploração de seus bens e serviços, tocamos nos limites da Terra. Ela não consegue, na ordem de 30%, recompor o que lhe foi tirado e roubado. A Terra está ficando, cada vez mais pobre: de florestas, de águas, de solos férteis, de ar limpo e de biodiversidade. E o que é mais grave: mais empobrecida de gente com solidariedade, com compaixão, com respeito, com cuidado e com amor para com os diferentes. Quando isso vai parar?
A sustentabilidade, como substantivo, é alcançada no dia em que mudarmos nossa maneira de habitar a Terra, nossa Grande Mãe, de produzir, de distribuir, de consumir e de tratar os dejetos. Nosso sistema de vida está morrendo, sem capacidade de resolver os problemas que criou. Pior, ele nos está matando e ameaçando todo o sistema de vida.
Temos que reinventar um novo modo de estar no mundo com os outros, com a natureza, com a Terra e com a Última Realidade. Aprender a ser mais com menos e a satisfazer nossas necessidades com sentido de solidariedade para com os milhões que passam fome e com o futuro de nossos filhos e netos. Ou mudamos, ou vamos ao encontro de previsíveis tragédias ecológicas e humanitárias.
Quando aqueles que controlam as finanças e os destinos dos povos se reúnem, nunca é para discutir o futuro da vida humana e a preservação da Terra. Eles se encontram para tratar de dinheiros, de como salvar o sistema financeiro e especulativo, de como garantir as taxas de juros e os lucros dos bancos. Se falam de aquecimento global e de mudanças climáticas é quase sempre nesta ótica: quanto posso perder com estes fenômenos? Ou então, como posso ganhar comprando ou vendendo bônus de carbono (compro de outros países licença para continuar a poluir)? A sustentabilidade de que falam não é nem adjetiva, nem substantiva. É pura retórica. Esquecem que a Terra pode viver sem nós, como viveu por bilhões de anos. Nós não podemos viver sem ela.
Não nos iludamos: as empresas, em sua grande maioria, só assumem a responsabilidade socioambiental na medida em que os ganhos não sejam prejudicados e a competição não seja ameaçada. Portanto, nada de mudanças de rumo, de relação diferente para com a natureza, nada de valores éticos e espirituais. Como disse muito bem o ecólogo social uruguaio E. Gudynas: "a tarefa não é pensar em desenvolvimento alternativo, mas em alternativas de desenvolvimento”.
Chegamos a um ponto em que não temos outra saída senão fazer uma revolução paradigmática, senão seremos vítimas da lógica férrea do Capital que nos poderá levar a um fenomenal impasse civilizatório.

domingo, 12 de junho de 2011

PENTECOSTES


Por Mesters e Orofino

 I - Partilhar nossas experiências e nossos sonhos de comunidade
Vamos meditar sobre a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Nos Atos, além do primeiro Pentecostes, há vários outros pentecostes e pentecostinhos: quando a comunidade está em oração durante a perseguição (At 4,31); quando Pedro acolhe o primeiro não judeu (At 10,44-46); quando se reúnem para enviar os primeiros missionários (At 13,22) etc. Além disso, muitas pessoas aparecem animadas pelo Espírito Santo: Pedro (At 4,8); Estevão (At 6,5); Barnabé (At11,24). O espírito Santo atua em tudo, desde a redação do documento final da Assembléia de Jerusalém (At 15,28) até as coisas mais comuns da vida, como o planejamento do roteiro da viagem dos missionários (At 16,6.7).
            Hoje também acontecem muitos Pentecostes, momentos fortes da caminhada, de tomada de consciência, de luta, de celebração, de descoberta, de testemunho. Tantos momentos! Sempre de novo, sem parar, o Espírito faz nascer e renascer a Igreja e as comunidades! Vejamos:
  • Houve algum fato na vida da sua comunidade, em que vocês reconheceram a presença e a ação do Espírito Santo? Conte.
  • Já aconteceu alguma vez algo assim na sua vida pessoal?
  • E na história das Igrejas do Brasil e da América Latina, houve algum Pentecostes? Qual?
II - Escutar a partilha da comunidade dos primeiros cristãos.
1 - Vamos ouvir como Pedro procura dar a explicação correta do acontecimento e como ele revela o apelo de Deus. Vamos prestar atenção no seguinte: quais as várias formas ou símbolos com que o Espírito Santo se manifesta?
2 - a leitura do texto: Atos 2, 1-24 - pode ser dividida, partilhada.
3 - momento de silêncio.
4 - Perguntas para refletir e partilhar: 
  • Qual o ponto desse texto que você mais gostou ou que mais chamou a sua atenção? Por quê?
  • Quais são, um depois do outro, os vários assuntos abordados neste texto? Sobretudo, quais os assuntos abordados por Pedro no seu discurso?
  • Quais as várias formas ou símbolos em que o Espírito Santo se manifesta? Qual o significado de cada símbolo?
  • Como o povo reage frente à ação do Espírito Santo? Como Pedro ajuda o povo a superar a interpretação errada que alguns deram ao fato?
  • Como este texto pode ajudar-nos hoje a perceber a verdadeira ação do Espírito Santo na vida e na história de nossas comunidades?
 III - Transformar em oração o que partilhamos entre nós.
Comentando: "no início do evangelho, Lucas descreve como Jesus nasce pela ação do Espírito Santo. No início dos Atos, como a Comunidade nasce pela ação do Espírito Santo. No dia de Pentecostes, o Espírito inaugurou a nova humanidade (At 2,4.33; 4,31) A partir deste momento, é o Espírito de Jesus que vai animar a vida e a história das comunidades. Ele dirige todos os seus passos, transformou os apóstolos... está presente nas comunidades... traz alegria, consolação, fortaleza, discernimento etc... sua ação está encarnada em ações ordinárias, comuns da vida humana: falar, rezar, cantar, criticar, decidir, crescer, anunciar, servir etc. Manifesta-se nas iniciativas e testemunhos da comunidade, nas celebrações da Palavra e dos Sacramentos, nas lutas das pessoas pelo bem dos outros, nas reuniões, nos encontros, nos conflitos, nas descobertas..."    
  • Celebrar, se desejar, com canto e oração espontânea.
  • Agradecer, encerrar com o Pai-Nosso.
  • Cantos à vontade